Por Thomas
-NÃO TOQUEM NA ÁGUA ! - alguém grita mas eu ignoro , aproximando as minhas mãos cheias de sangue seco dos bonitos repuxos de água límpida.
-Thomas não ! - Lyssa tenta puxar-me mas eu permaneço no mesmo sítio , esfregando o sangue que está incrustado nas minhas unhas.
A sensação agradável da água fria sob a minha pele transforma-se numa dor insuportável. Cambaleio para trás aos gritos e caio no chão , os meus olhos fixos no fumo que sai das minhas mãos em carne viva.
-THOMAS ! - grita Lyssa , ajoelhando-se ao meu lado - OH MEU DEUS...
-Eu avisei. -olho para cima e sinto um vómito a vir-me à garganta.
-Jordan ? - pergunto , nauseado.
O rapaz assente , virando a cara , envergonhado. As suas feições estão completamente irreconhecíveis , como se tivessem derretido , os olhos tapados por pregas de pele , carne viva e sangue.
-Tinha sede. - explica ele , tapando a cara com as mãos. - Mas a água...queima.
Olho para as minhas mãos , observando o vermelhão da pele e as bolhas que se formaram nas minhas palmas. Lyssa agarra-me o pulso e avalia o estado das queimaduras. Lentamente , sinto a dor a desaparecer. Abrutamente , Lyssa afasta-se , muito séria.
-Estás bem ? - pergunto , apoiando-me em Channel para me levantar.
-S-sim... - gagueja. - E t-tu ?
-Melhor. - respondo e ela esboça um sorriso amarelado.
-É impossível continuarmos a Corrida sem tocar na água. - informa Jordan , amargurado. - Acreditem , eu já tentei...
-Temos de ser rápidos e permanecer numa fila indiana. O risco de sermos atingidos é menor se o fizermos. - diz Lyssa , assumindo a liderança. - Channel , vais primeiro , depois eu , Thomas e Jordan. Corram o mais rápido que conseguirem e façam o que fizerem... - fez uma pausa. -NÃO PAREM !
-TEMOS DE IR AGORA ! - berra Channel , a olhar para trás. - ELAS VÊM AÍ !
Franzo o sobrolho e olho para trás , abrindo a boca de espanto e terror.
Aranhas.
Um exército de aranhas nojentas , enormes , brancas como leite , peludas e com dentes de 3 metros avança até nós. Prontas a atacar.
Nota importante : eu tenho pavor a aranhas.
Mas não sou o único.
-CORRAM ! - berra Lyssa , apavorada e pálida como um cadáver.
Channel avança e nós seguimos atrás dela. Oiço-a gritar de dor e cerro os dentes para não fazer o mesmo ao ser atingido por um jacto de água em cheio na anca. Outro atinge-me o braço e gemo alto mas não paro.
Dor. A leve dor de arrancar um dente de leite. A dor de perder um pai. Os braços quentes da minha mãe. O sorriso doce da minha avó. A dor de torcer um pé ao ensinar a minha irmã a fazer a roda. A leve dor de um mundo que já não existe.
Algo pesado atinge-me as costas com violência , fazendo-me desequilibrar. Olho por cima do ombro e deparo-me com os 50 olhos vermelhos de um daqueles aracnídeos cor de leite. Com o medo e a adrenalina a correr-me no sangue , dou-lhe um soco em cheio no focinho e a aranha cai para trás , rosnando ameaçadoramente. A sensação de ter tocado numa aranha asquerosa mistura-se com a dor que assola a minha mão queimada e eu já não sei o que me incomoda mais. Pelo canto do olho , vejo Jordan correr a toda a velocidade , aproveitando o facto de a água mortífera ter ficado para trás para me passar à frente.
-O que é que pensas que estás a fazer ? -pergunto-lhe , apavorado.
-EU VOU GANHAR ISTO THOMAS , EU E MAIS NINGUÉM ! -berra ele , lançado-me um sorriso diabólico. - Nem que para isso vocês tenham que morrer.
Ele acelera. Eu acelero. As aranhas , perseguem-nos , cada vez mais perto. Lá à frente , Lyssa puxa Channel , que parece estar prestes a colapsar de exaustão. Abro a boca para avisar Lyssa sobre Jordan mas este empurra-me com força , obrigando-me a abrandar o passo para não cair e ser apanhado pelas aranhas.
-LYSSA , CUIDADO ! -grito e ela olha para trás , sem compreender.
Os olhos de ambos encontram-se , azuis e belíssimos os dela , escuros e deformados os dele. Jordan ergue a mão fechada e quando a abre , uma pedra enorme surge , pronta para matar alguém. Corro para me aproximar dele mas não consigo chegar a tempo : Jordan lança a enorme pedra em direção a Lyssa , fazendo pontaria à sua cabeça.
-NÃO ! -grito e atiro-me a ele , rebolando pelo chão , o meu corpo dorido a bater violentamente nas lajes de pedra rija.
Levanto a cabeça e vejo a minha amiga loira a correr sã e salva , com Channel atrás. Dou um soco a Jordan e um pontapé à aranha mais próxima , desatando a correr sem olhar para trás. Oiço Jordan gritar o meu nome e sei que ele já se levantou , o que me faz acelerar ainda mais.
A Meta. Consigo vê-la daqui. Os habitantes do Abrigo estão à nossa espera , aos gritos e aos saltos. Olho para Lyssa e Channel , que correm ao meu lado , a sorrir. Sorrio também e solto um suspiro de alívio , esquecendo as dores e o sangue. Conseguimos. Estamos vivos.
-NEM PENSES NISSO THOMAS !
Passo a meta a olhar para trás , vendo a cena a desenrolar-se em câmara lenta : Jordan a surgir do nada , ele a saltar para cima de Channel antes dela atravessar a Meta , ele a passar e ela a ficar para trás , a ficar em último.
Silêncio.
Um bip.
E outro.
-LYSSA MOORE , 1º LUGAR ! - anuncia ''A Morte'' , cortando o silêncio mortífero que se instalou.
-Mas nós empatámos ! -exclamou Lyssa , desesperada.
-Não pode ser...
-THOMAS GREGOR , 2º LUGAR ! -arregalo os olhos e vejo os olhos azuis de Lyssa encherem-se de lágrimas.
-JORDAN FRAY , 3º LUGAR !
-NÃO ! -grito , em pânico , e Jordan sorri.
-CHANNEL MENDELL...
-Por favor não... -murmura a própria , agarrando-me pelo braço a tremer.
-4º LUGAR !
Uma única lágrima escorre pela bochecha de Channel. Abraço-a com força e deposito um beijo na sua testa , sem conseguir falar.
-Cuida-te Thomas. -sussurra ela ao meu ouvido , sorrindo fracamente. - E cuida da Lyssa também. Vocês são fortes. Vão sobreviver a isto.
-Tu também és forte. Teres perdido a Corrida não significa nada.
Ela encolhe os ombros.
-Não fui feita para sobreviver ao Apocalipse.
''Nem eu''.
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Mão de Sangue
Mystery / ThrillerO Apocalipse chegou. Monstros tomaram conta do mundo e apenas o Abrigo é seguro. Mas A Corrida existe e A Morte é implacável. Três adolescentes. Um Abrigo. O Apocalipse. O Mundo de Antes. Uma Mão de Sangue. A Verdade estava lá sempre. Eles é que não...