O Pesadelo

305 8 6
                                    

Um silêncio profundo estabelece-se e Melissa é incapaz de olhar nos olhos da amiga. A morte de Amanda despertou nela a vontade de dizer aquilo que há muito queria dizer. Incrédula, Selena abandona o apartamento da amiga. Não conseguiu evitar que as lágrimas não caíssem. Entrou no seu carro e afogou as suas costas contra o banco. Sentia-se fraca e frágil, como se ao mínimo toque se fosse desfazer. Tinha um aperto no coração e um nó na garganta que não a deixavam respirar. A sua pulsação começou a acelerar e a sensação de calor invadiu o seu corpo. Observou a sua mão começar a tremer e assustou-se com o que lhe estava a acontecer. A dor que preenchia o seu coração começava a dar lugar a raiva, fúria. Não hesitou em agarrar a sua mala e procurar a seringa que Conan lhe dera para alguma emergência. Sem dó nem piedade espetou-a no seu braço e deixou o líquido fluir pelo seu sangue. Passados alguns minutos sentiu o seu corpo relaxar. Apenas se ouvia a respiração combinada com soluços de Selena. Fechou os olhos por breves segundos e respirou fundo. Ligou o carro e conduziu para casa numa velocidade baixa. Selena sentia-se exausta e uma dor de cabeça começava a condicionar as suas ações. Vestiu um fato de treino confortável e deitou-se na cama, cobrindo-se com os quentes cobertores. O pesar dos seus olhos fez com que Selena não demorasse muito a adormecer. Quando acordou, a dor de cabeça já havia desaparecido e sentia-se com energia de novo. Assim que olhou em volta deu um pequeno salto ao perceber que já não se encontrava mais no seu quarto. Estava rodeada de árvores grandes e envelhecidas. O chão estava coberto de terra lamacenta. Levantou-se e deu dois passos em frente.

 - Olá? - Perguntou na esperança de não estar sozinha. - Esta aí alguém? Apenas o vento a bater nas poucas folhas das árvores se ouvia. Selena começou a entrar em pânico. - Onde é que eu estou? - Murmurou para si. - Como é que vim aqui parar? Ao confrontar-se com a realidade de estar a merce da sua sorte, Selena olhou em volta a procura de algum caminho que a tirasse dali. Suspirou frustrada e sentou-se a beira de uma árvore. Selena via aquele sitio como um deserto que ao invés de ser seco e ter areia por todo o lado, era húmido e era dominado por terra. Olhou atentamente de novo por toda a área. Quando estava prestes a desistir algo lhe chamou a atenção. Fumo. Selena sorriu esperançosamente e levantou-se rapidamente. Começou a correr o mais rápido que podia. Suspirou de alívio quando se deparou com uma pequena casa branca. "Pelo menos tenho onde dormir" pensou. Aproximou-se da porta e levou a mão a maçaneta. Tudo o que precisou foi empurrar um pouco a porta para ela se abrir. Mas o que realmente a surpreendeu foi o que encontrou lá dentro.

Era uma réplica do apartamento que Melissa e Amanda partilhavam. Reconheceu-o através dos quadros abstratos que Amanda pintava para decorar a sua sala e do sofá cinzento encostado a maior parede. Chocada, Selena avançou lentamente até se encontrar no meio da sala. Franziu as sobrancelhas e tentou raciocinar o porque de estar ali. Caminhou até a um móvel repleto de fotografias em molduras. No centro, estava uma com Selena, Melissa e Amanda a abraçarem-se e a sorrirem. Inevitavelmente, Selena sorriu ao recordar o dia que aquela foto tinha sido tirada. Era o aniversário de Melissa e as três tinham ido ao centro comercial fazer compras. Foi aí que Amanda revelou que começara a namorar e a novidade levou as três ao delírio. Fizeram uma festa de pijama bastante animada onde tiraram aquela foto. Uma lágrima escorreu pelo rosto de Selena, que não se dera ao trabalho de limpa-la, ao recordar os bons momentos. Olhou mais uma vez para a foto e franziu as sobrancelhas. Os olhos verdes de Amanda estavam agora negros e começava a escorrer sangue da sua boca. A sua cabeça, braços, tronco e pernas estavam a inundar-se lentamente de sangue e foi então que o corpo de Amanda desapareceu da foto. Assustada, Selena deixou cair a foto no chão. Levou as mãos a boca e recuou dois passos. - Selena. - Murmurou uma voz masculina. Selena virou-se e procurou o dono da voz. - Quem esta ai? A única resposta que obteve fora o seu nome a ser repetido vezes sem conta. - Selena! - Gritou Conan enquanto a abanava. Selena acordou sobressaltada. O seu corpo está encharcado de suor e a sua respiração estava ofegante. Estava de novo no seu quarto, na sua cama. Entendeu que não havia passado de um sonho. Conan olhava para ela confuso. - O que e que te aconteceu? - Perguntou. – Eu, eu não sei. - Respondeu Selena ainda assustada. - Estava cansada e vim dormir. Depois so me lembro de acordar no meio do nada e... - fez uma pausa ao tentar lembrar-se do seu sonho. - Eu entrei numa casa e era exatamente igual ao apartamento da Amanda e depois eu peguei numa foto que tirei com a Melissa e com a Amanda e ela começou a esvair-se em sangue e desapareceu da foto. - Disse rapidamente. Olhou para Conan com um olhar que suplicava a sua proteção. Conan entendeu o pedido e abraçou-a. - Não passou de um pesadelo. - Parecia tão real. - Murmurou Selena. - Tive tanto medo.

Conan depositou um beijo na testa de Selena de forma a conforta-la. - Sel... - Chamou ligeiramente pelo seu nome. - A Melissa ligou-me. Selena estremeceu com as suas palavras. O pesadelo tinha mexido tanto com ela que por momentos tinha-se esquecido da discussão daquela manha.

- Sobre isso... - Disse Selena desfazendo o abraço. - Eu preciso saber quem a matou Conan!

- Caramba, tu prometeste que não ias investigar aquilo!

- Olha Conan eu conhecia a Amanda a anos. Ela era como uma irmã para mim. Não posso deixar que quem a matou saia impune.

- Mas em que planeta tu vives? Tu precisas de parar de por a tua segurança em perigo!

- A grande questão é que não consigo-Selena suspirou e levantou-se.- Não consigo pensar que a Amanda foi assassinada e que nunca se irá descobrir o culpado. Não consigo imaginar o que será de mim, se nunca souber quem lhe fez isto. Será que ficará como o caso do meu pai? Eu tenho que fazer justiça.

Conan suspirou. - És igualzinha ao Thomas.

- Como é que ele era? - Disse sentando-se ao lado de Conan.

- Era como tu, um sonhador, um idealista, um justiceiro

- É bom saber que herdei isso dele...

- Não é nada de bom... olha como ele acabou- Aquelas palavras caíram em Selena como múltiplos golpes sofríveis no abdómen.

Conan percebera que tinha feito asneira e antes que pudesse remedia-la, Selena saiu pela porta fora, disparada. Não queria acreditar que tinha feito asneira com Selena, a pessoa que mais amava e por quem abdicou tudo. Conan sempre foi movido pelo interesse e pela ambição e isso acabaria por trair a sua irmandade com Thomas. Por isso, ele achou que devia retribuir tudo o que o melhor amigo fizera por ele, ao tomar conta de Selena mas viu nela muito mais que uma filha. Mas as más acções de Conan continuam a traí-lo e atormenta-lo por onde quer que ele esteja. As vezes, ele gostava de se tornar numa pessoa melhor e numa pessoa que desse o valor a Selena que ela tanto merece. Mas há coisas que nunca vão mudar e por mais que ele peça, não irá conseguir contornar o seu destino e a sua identidade.

Enquanto Conan analisava o sinuoso caminho que percorrera até hoje, Selena estava completamente descontrolada, deitada numa cama imunda num quarto asqueroso de uma pensão barata. Ouvir aquilo dito por Conan, tinha mexido profundamente com ela. Tão cedo não queria voltar a casa que partilhou com ele durante todos estes anos.

Nessa noite, não foi fácil para Selena adormecer. O barulho dos roedores que se encontravam de baixo da cama, as obras que estavam a decorrer na pensão e o ranger da janela impediam na de ter calma e paz. Porém, havia algo ainda maior que a impedia de dormir... o medo. O medo que tinha de voltar a ser invadida por pesadelos aterradores. Ao fim de três horas, deitada na cama, de olhos bem arregalados, sucumbiu ao desejo enorme de fechar os olhos e aí viu-o com os seus próprios olhos... O seu rosto envelhecido, os olhos verde-esmeralda e o bater lancinante das suas asas, tentou tocar-lhe, para certificar-se de que ele era real e não uma alucinação derivada da quantidade de seringas que injectou hoje.

De repente, apercebeu-se que entre ele e ela havia um vidro transparente, uma barreira invisível, daquele breve encontro apenas decorou uma frase, "Não é por ter acontecido o que me aconteceu que não valeu a pena todo o meu esforço". Atordoada, despertou mas a sua vontade era tentar repetir o mesmo sonho porque todos os segundos em que o possa ver são poucos, o seu maior desejo seria poder conversar com ele, perguntar-lhe aquilo que nunca tivera a certeza de ser verdade mas só aquela frase valeu a pena e prometeu nunca mais esquece-la.


Guardiões do SubsoloWhere stories live. Discover now