Capítulo 1
Fantasma
Voltei para a vila branca; não por vontade, mas por total falta de opção. Estava decidida a retornar para o mundo dos humanos e a única pessoa que podia me ajudar estava lá.
Não conseguia ver nenhum sentido em permanecer entre elfos. Eles não me queriam. Ficar entre humanos também não me era convidativo; entretanto, considerava esta opção um tantinho mais tolerável. Com eles eu já sabia como me comportar e o que esperar.
Sentia uma necessidade mórbida de resgatar as coisas de Megan. Sabia que pelo menos o seu cheiro ainda estaria na casa, em especial entre suas roupas maçarocadas no minúsculo guarda-roupa. Megan nunca mais estaria lá ou em qualquer outro lugar que não fosse meu coração. Encontraria somente um fraco vestígio de sua presença marcante.
Conseguia visualizar a cena, como uma masoquista. Eu entrando pela porta, olhando em volta e sentindo a falta dela atingir o seu ápice. Encontraria a cozinha na maior bagunça: ervas, flores desidratadas e essências espalhadas por todo lado e experimentos de novas tentativas de cosméticos, que ela tanto amava. Ir até a casa seria a coisa mais doentia e sofrida para fazer neste momento; contudo, eu carecia desse último adeus. Meu coração gritava por isso.
O primeiro desafio que enfrentei para voltar à vila branca foi conseguir montar sozinha em Penélope. Confesso, a linda unicórnia foi uma fofa, ficou quietinha em seu lugar, parecendo mais uma estátua do que um animal vivo. O problema, como sempre, era a minha “grande” estatura; por mais que tentasse, parecia ser incapaz de montar sem auxílio. Tentava não machucá-la enquanto usava sua crina albina para me içar, já que aquele era o único apoio que encontrava. Procurei em volta algo para me dar uma mãozinha no quesito altura. Nada. Depois de inúmeras tentativas, suando e ofegando muito, consegui finalmente montar. Penélope devia ter me dado uma salva de cascos pelo meu esforço.
– Certo... agora... por favor, Penélope, seja bem... bem boazinha comigo... me leve para a vila branca – disse ofegante.
Penélope começou a trotar calmamente, parecendo saber que eu não era lá muito íntima de cavalgadas. Admito que a altura dela me deixava amedrontada. Imaginar o tamanho do tombo não era nada agradável... Sem William para cuidar das coisas e seu lindo corpo quente para me apoiar, fui obrigada a segurar na crina dela com força. Rezava para que a unicórnia não resolvesse sair desembestada pela floresta afora; se fizesse isso, não teria escapatória: eu me esborracharia no chão.
O sol brilhava sobre nós. Graças à sua intensa claridade, agora conseguia ver tudo o que a noite me ocultou. Encontrei muitos pássaros; alguns familiares, outros, no entanto, tão diferentes que beiravam a fantasia. Uma das espécies exóticas era grande, a silhueta lembrava uma águia. A semelhança terminava aí. Ela possuía asas duplas ligeiramente transparentes, como as das libélulas, que brilhavam quando a luz do sol incidia sobre elas. Os exemplares eram multicoloridos. Um deles tinha peito amarelo, dorso vermelho, pescoço verde e cabeça azul. O tamanho me deixou um tanto amedrontada, pois eles poderiam me machucar com suas longas garras.
Já outro grupo estava no lado oposto do arco-íris. Minúsculos como pequenas borboletas, as humildes aves ostentavam cores discretas: bege, branco, verde em tons pastéis. Seu canto, porém, se enquadrava em outra categoria. Levou um tempo para que eu conseguisse identificar que algo tão pequeno tivesse a capacidade de cantar uma melodia que hipnotizaria qualquer um. Quanto mais eu escutava, mais forte era o desejo de tocá-los. Eles pareciam não se intimidar com a minha presença. Voavam sincronizados, ora se aproximando, ora se afastando. Acompanhavam meu avanço, dançando com a sua melodia. Meu cabelo voava com a brisa que suas asas produziam. Encantada com a beleza da sinfonia, levantei a mão para tentar tocá-los. Os pássaros pareciam saber exatamente o poder que tinham sobre mim: menos de um segundo depois que meu braço se ergueu, todos eles vieram em minha direção. Sorri antecipando o prazer que sentiria quando meus dedos tocassem os pequenos. Eles eram muito rápidos, só consegui focar o borrão que se formou no caminho cruzado por eles. Logo que o primeiro tocou meu dedo, puxei a mão.