Capítulo 9: Traição

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Comia distraída, mal notando os elfos que tentavam não cruzar comigo. Bati na porta da sala de Red ainda mastigando o delicioso tilets. Seus cachos ruivos caídos nos ombros estavam perfeitos, como sempre, destacando-se sobre o longo vestido branco. Vi pelo olhar reprovador dela que não gostava da roupa que eu tinha escolhido. Ignorei.

– Oi. Entre, Sofi.

Ela esticou o braço, apontando a sala, e deu um bom espaço para que eu entrasse sem ter de tocá-la. Havia uma aura ali que me intimidava. Notei que Dunga e Pinóquio não estavam de prontidão em frente à porta de meu pai. Provavelmente ele não estava lá, já que os dois o acompanhavam como sombras. Puxei uma cadeira da mesa, imaginando que a nossa conversa seria ali.

– Não, vamos para outro lugar – disse Red.

Ela andou graciosamente pela sala. Parou e abriu a porta que ficava ao lado do quarto de meu pai. Nela havia entalhado um triângulo virado de lado e aberto para o lado direito, com um meio círculo no centro, e, à sua frente, um símbolo que eu já havia visto em muitos lugares ao longo da vila branca: uma linha ondulada.

– O que significa isso?

– Este – ela passou os dedos sobre o triângulo – é o símbolo das sacerdotisas. Significa que somos dotadas de uma sabedoria que os outros não têm e que possuímos uma visão privilegiada sobre tudo. Já este – ela apontou a linha ondulante – é o símbolo dos Tatyär. Como você já deve saber, temos uma ligação profunda com a água – ela atravessou a porta enquanto terminava de falar. – Aqui não seremos interrompidas.

Contemplei o quarto, bem maior do que o de Top. Tinha uma grande cama ao centro, cheia de almofadas brancas. Do lado direito ficavam duas poltronas brancas e, entre elas, uma mesa baixa com uma jarra d’água e dois copos. Ao lado das poltronas havia uma grande porta de correr em madeira clara, que estava aberta e dava para o jardim. A cortina fina e transparente balançava com a fraca brisa.

Red caminhou de forma elegante e se sentou ereta numa das poltronas, cruzando as pernas e colocando as mãos juntas sobre elas. Eu a acompanhei, sem a mesma graça e elegância. Desajeitada, sentei-me na outra poltrona, remexendo as pontas do cabelo de forma descontrolada.

– Red, acho que, agora que vou ficar mesmo aqui, devo realmente entender vocês um pouco melhor. Eu sinto que estou a todo momento fazendo coisas que não deveria.

Ela ergueu a mão e me interrompeu:

– Lamento pela minha falta de discernimento no outro dia. Deveria saber que você ainda estava... – sua voz foi morrendo.

– De luto.

Ela parecia ter receio de tocar nesse assunto e eu começar a me desmanchar em lágrimas novamente. Sempre que alguém mencionava o fato, eu tinha mesmo vontade de chorar. Só o que me fazia manter a calma era imaginar que Megan estava constantemente ao meu lado. Ela assentiu e logo começou a contar sobre o motivo que me levou até ela, fugindo do tema Megan como um foguete. Sua voz era suave, calma e cadenciada:

– Nós descendemos do sol, das estrelas, de todas as forças da natureza. Somos divididos em três grupos distintos. Os Tatyär, que somos nós, os Nelyär e os Minyär.

Fiz cara de paisagem. Não podia dizer a ela que já sabia disso. Principalmente quanto aos Minyär, já que foi Naradá quem me contou a maior parte dos detalhes. Prometi para William que ficaria de boca fechada sobre ela.

– Nós, os Tatyär, temos o poder do dia e características físicas que fazem com que nossa face fique resplandecente como o sol. Necessitamos ficar perto da água e temos o dom de manuseá-la, fazendo-a obedecer a nossos comandos. E também é bastante comum encontrar Tatyär que possuem o dom de evocar a água.. – imediatamente me lembrei da cena que presenciei com Dess; esse era o dom dela. – Poucos são os elfos que conseguem manusear ou evocar a terra e o ar. São mais raros ainda os capazes de abrir portais, como você e seu pai. Mas a água sempre está presente em todo Tatyar. Ela faz parte da nossa constituição básica. Essa foi a razão de o seu pai pedir para a humana manter você sempre cercada de água, o que ajudou a mantê-la forte.

O Despertar da GuillentOnde histórias criam vida. Descubra agora