4° Camada

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Acordo no dia seguinte com uma mensagem da Carey:
— Bom dia! O que decidiu?
Visualizo mas decido não responder agora.
Tomo um banho e desço pra cozinha onde encontro algo que se parece com um pão deixado na pia. Pego e como. Grito por minha mãe algumas vezes mas ela não parece estar em casa. Ligo a televisão e me sento no sofá.
Olho as mensagens no celular e vejo que Lance me mandou alguma coisa: "Cara, tive alguns problemas aqui em casa e acho que não vai dar pra ir na festa hoje. De qualquer forma você nem queria ir mesmo então... Mas se for, diga pra Carey que foi mal e que depois falo com ela. Até."
Respondo fazendo um sinal negativo e fecho o aplicativo. Navego por algumas horas em sites sobre música e blogs sobre livros intercalando com pequenas observadas na tv quando passa um ou outro clipe interessante.
Ouço algumas vozes altas no corredor e o barulho de uma chave tentando abrir a porta.
— Ei Nick! — Minha mãe chega com sua amiga Denisia e sinto o álcool da sua boca mesmo ela estando na porta.
— Oi Nick, quanto tempo?! — Denisia se senta ao meu lado e me dá um beijo na bochecha que quase pega na boca.
— Nem tanto, eu diria. — Respondo me afastando um pouco do sofá.
Denisia é uma amiga da minha mãe de anos, ela ajudou minha mãe a se recuperar quando meu pai foi embora, ela arrumou o emprego no asilo pra minha mãe e a apresentou outra dependência: o álcool. Denisia era uma alcoólatra e não se importava de que qualquer um soubesse disso. Ela tinha trinta e poucos anos mas aparentava ter mais de 40, era magra mas com várias banhas de álcool localizadas. Às vezes ficava tentando dar em cima de mim, principalmente quando estava bêbada. Eram muitas vezes.
— É sábado e você está em casa? — ela pergunta enquanto se levanta e anda pela sala.
— Bom, alguns de nós não costuma beber às 17:00 da tarde, ou desde... Sei lá? Que horas vocês começaram?
— Não cedo o suficiente. — ela responde rapidamente. — Quando eu tinha sua idade eu costumava ser mais sociável, saía com os amigos, sua mãe inclusive, mas você fica aí, desperdiçando sua juventude deitado em um sofá. — ela responde com certa intolerância.
— A vida é minha, não tenho saco pra sentar em um bar e ficar bebendo, não sei porque você se importa. — respondo me levantando do sofá.
— Ai que saco vocês dois! — Minha mãe diz da cozinha. — Vocês deviam calar a boca! — Ela completa fazendo barulho estrondoso derrubando pratos na cozinha.
— Tá tudo bem aí? — pergunto.
— Tá, ta! — Ela responde trazendo duas cervejas na mão e se sentando no sofá.
— Ninguém merece... — Repondo fazendo um sinal de disparo na cabeça.
Subo pro meu quarto.
Quando as duas se juntam pra beber geralmente ficam até o dia seguinte.
Ligo o computador e vago por perfis do facebook. Encontro o perfil da menina dos olhos azuis da escola. Entro e vejo que o nome dela é Scart, que provavelmente é uma abreviação de Scarlet, ela não posta muitas coisas, tem algumas frases de pensadores, alguns trechos de músicas do Bob Marley e poucas fotos com o grupo dela da escola. Vejo algumas fotos mas não curto nem comento nada, ela está bem bonita na maioria delas, especialmente em uma em que ela está vestida de bailarina. "Quem imaginaria não é mesmo?!", penso alto.
Aqui diz que ela tem 17 anos, mas eu não me lembro de ter visto ela em nenhuma aula que eu frequente, o que também não diz muita coisa... Tem uma foto dela em que ela está abraçada com um menino que se parece com o que ela estava sentada no colo. Entro nos comentários e vejo que alguém comentou "Fofos", prefiro acreditar que ela não tem namorado e então continuo vendo suas postagens. As postagens terminam em 2013, o que é estranho já que ela usa a rede desde 2010. Decido não mandar convite e saio do facebook dela. Vejo algumas atualizações da Carey sobre a festa, uma foto dela com o Judd, vejo algumas postagens nerd do Jaden sobre um filme de heróis que vai estrear e mais dezenas de coisas desinteressantes.
— Vai me ignorar mesmo?
Recebo uma mensagem de Carey no bate papo.
— Foi mal Carey, eu esqueci totalmente da sua mensagem. Foi mal mesmo...
— Bom, posso presumir que você não vai vir então?
— É, acho que não... Eu falei com o Lance e ele também disse que não vai porque tá com algum problema, mas disse foi mal e é isso...
— Que merda de amigos vocês são! Eu tento fazer uma coisa legal onde a gente possa se encontrar e vocês TODFOS me dão o bolo. — TODOS*.
— Foi mal Carey, eu disse que não pretendia ir, você sabe que eu não gosto de festas e sendo na escola então... Não sabia que o Lance não ia...
— Deixa pra lá... Esquece.
Ela ficou off-line depois disso.
A pior coisa de se ter amigos é que você se magoa quando magoa os amigos, e se magoa mais ainda quando é por um motivo ridículo, e a causa da magoa fica rodando pela sua cabeça por horas e você cria discursos para pedir desculpas mas na verdade nunca pede e aquilo vai pra pilha de "Coisas Para Se Jogar Na Cara No Futuro" e fica sempre voltando.
Desligo o computador e pego o celular.
— Lance, a Carey tá bem puta!
— Sério? Sabia que ela ia ficar... Depois a gente conversa com ela. Ela é de boa, vai entender.
— Eu espero, não quero que fique clima por causa dessa festinha idiota.
— Nem eu, mas fazer o que né, vou ter que sair aqui. Foi mal. Depois a gente se fala.
— Ok.
Tento esquecer do assunto e pego minha guitarra pra tocar alguma coisa.
Escuto alguns barulhos de coisas caindo no andar de baixo e ignoro.
Minha mãe bate na porta e abre.
— Nick, a gente vai chamar algumas pessoas pra virem aqui, se você quiser, pode descer...
— Por que eu gostaria de passar um tempo com seus amigos?
— Bom, vai ter pizza, então...
Denise grita minha mãe e ela sai do quarto. Por um segundo me pergunto como ela conseguiu subir as escadas.
Abro um caderno que está em cima da mesa ao lado da minha cama e vejo algumas letras de musicas que eu escrevi, acrescento mais um título: BFF: Best Fucking Friends. Deixo pra escrever a letra depois.
Visto uma camisa branca e minha jaqueta jeans azul velha, troco a samba canção por uma calça preta e calço uma coturno antiga que provavelmente era do meu pai e ele esqueceu aqui.
Pego minha carteira e meu celular.
Quando desço as escadas, driblo alguns cacos de vidro grandes que estão no chão.
— Que merda vocês já fizeram aqui? — Pergunto pra ninguém em específico.
— Alguma coisa caiu, depois alguém cata. — Denisia responde sem olhar pra mim.
Escuto minha mãe falando com alguém no telefone.
— Avisa pra minha mãe que eu sai, vou na casa do Lance e provável que eu vá voltar tarde, ok?
— Ok, ok, tanto faz.
Pego meu fone e saio.
Lance morava á poucas quadras da minha casa. Numa casa de classe média com um muro verde chamativo.
Cumprimento alguns vizinhos que vou encontrando nas calçadas e desvio de alguns mendigos pelos caminhos. Não demoro mais do que 15 minutos e chego na casa dele.
Toco a companhia e ele abre a porta.
— O que você tá fazendo aqui? — Ele pergunta, saindo pra fora da casa e fechando a porta.

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