6° Camada

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Corremos pelos corredores em direção á arquibancada, tentamos abrir algumas portas mas percebemos que estão trancadas. Paro de correr e a seguro pelo braço:
— Ei, por que estamos fazendo isso? — Olho fixamente em seus olhos azuis, que agora no escuro mais se parecem com fumaça.
— Por que não fazer isso? — Ela responde se soltando do meu braço e começando a correr novamente.
Passamos da cantina e chegamos ao campo. As portas não estão trancadas e ela entra correndo como se já soubesse disso. Ela corre pra grama e se deita.
— Scart! O que você tá fazendo? — Grito parado em frente a porta. — Não íamos ficar embaixo da arquibancada?
Ela se levanta e grita pra mim:
— Deixa de ser cuzão! Eu achava que você fosse melhor do que eles...
— Achava? Você nem me conhece! — Digo sem conseguir conter o riso.
— Eu conheço sim, conheço seu tipo, você se faz de diferente, superior, finge que não se importa mas quando na verdade é um covarde!
— O que você tá falando? Você tá drogada?
Ela sai correndo novamente e dessa vez corre sozinha.
— Eu vou embora! — Grito o mais alto que posso.
Ela para e se volta pra mim.
— Espera!
Ela vem andando, acelerada. Ela pega minha mão e vamos até a arquibancada.
Nos sentamos em uma caixa de papelão que estava lá e ela diz:
— Me desculpe... Às vezes eu falo algumas merdas, todo mundo fala merda, é só que... Foi mal.
— Ah, dane-se... Eu nem liguei, todo mundo já falou alguma merda sem sentido pra
alguém. — Digo olhando sutilmente pra ela. — Mas admito que fiquei magoado pela forma como você me tratou. — Digo fingindo lágrimas com a mão no peito. Ela me dá um soco no ombro.
— Ridículo!
— Ai, é sério, você já fez uma análise completa sobre mim, destacou vários supostos defeitos e isso tudo só porque eu comi sanduíche. — Digo fazendo com que ela sorria.
— Desculpa. — Ela olha pra mim. — Não era pra você. Quer saber por que estou aqui?
— Não. — Respondo rindo. — Você quer saber por que eu estou aqui?
— Não. — Ela também ri.
— Você está com os sanduíches aí ou amassou quando se jogou no mato?
Ela tira 4 sanduíches amassados num papel de dentro da blusa.
Ela coloca em cima do colo e eu pego um.
— Como você sabe meu nome? — Ela pergunta enquanto pega um sanduíche.
— Ah... Ah... Acho que ouvi um dos seus amigos te chamando assim ontem... — Digo olhando pro chão.
Ela ri.
— Eu podia jurar que um menino parecido com você curtiu uma foto minha.
— Curtir? Onde? Ham? Vamos mudar de assunto.
Faço uma nota mental pra me socar quando estiver sozinho.
— Meu nome é Nick, aliás.
— Nick, ok, é um nome ok. — Ela diz franzindo a testa.
— Como assim um nome ok?
— Nada demais, nada excêntrico ou ridículo. É melhor ser ok, acredite.
— Eu acredito. — Digo encarando-a. — Bom, mas você vai me dizer o que queria fazer aqui?
— Isso. Ficar sentada num lugar sem barulho. É perfeito. Admirar o silêncio.
Olho pra ela com os olhos falsamente arregalados.
— Isso faz parte do pacote? — Digo rindo.
Ela me olha intrigada.
— Qual pacote?
— Você sabe, pra fazer parte do clubinho... Todo mundo que fuma maconha tem que começar a admirar o pôr do sol, as estrelas, dizer frases ambíguas... — Digo fazendo gesticulações confusas.
— Haha! Engraçado, é sério que você acha isso algo demais?
— "Isso" fumar maconha?
Ela acena positivamente com a cabeça.
— Sim! Acho que nossa juventude está perdida — Tento ao máximo soar como um pai. Ela me olha e ri. — Claro que não! Eu tô me ferrando com o que as pessoas usam... Vai de cada um. Não é tão importante assim. Isso não define ninguém. — Digo observando seu rosto.
— É isso! As pessoas passam tanto tempo se preocupando com as outras e esquecem de se preocupar consigo mesmas.
Recebo uma mensagem no celular de Carey: "Onde você tá?"
Visualizo e desligo o celular.
— Algo importante? — Scart pergunta.
— Não, nada demais, é uma amiga minha me perguntando onde eu estou.
— Ah, ela está aqui?
— Tá, tá, ela que organizou a festa.
— Acho melhor voltarmos então... Não é legal deixar as pessoas esperando.
— Isso e também porque tá frio pra caralho!
Ela ri e me abraça.
— Obrigado. — Ela responde colocando a cabeça na altura do meu peito.
Fico com os braços aberto e sem reação.
— É... Tudo bem, eu acho.
Tento abraçá-la e fico desconcertado.
— Vamos entrar então? — Pergunto.
Ela me solta e seguimos novamente pra festa.
Chegamos na porta e ela me para e diz:
— Desculpe pelo abraço, meu dia tava muito merda e foi bem legal conhecer você.
— Ah, não foi nada... — Ela me interrompe sem perceber.
— As pessoas são uma droga! Mas elas nos decepcionam e a gente não consegue parar de gostar delas tão fácil assim o que é uma merda e... — Ela fala rápido sem perceber.
— Tá tudo bem. Sério. Foi engraçado, você é legal, foi bom falar com você. — A interrompo e dessa vez eu a abraço.
Permanecemos abraçados por poucos segundos que pareceram durar toda uma eternidade.
Escuto alguém se aproximando e a solto tarde demais, sinto alguém me puxando e quando viro o rosto levo um soco no nariz, enquanto o sangue escorre pela minha boca, caio e levo um chute na barriga.
— Que merda você tá fazendo Scart? — Escuto ele gritar enquanto ela tenta me ajudar.
Vejo ele puxando o braço dela enquanto desmaio aos poucos. Escuto um barulho de pessoas se aproximando de longe e fico com a visão embaçada até que toda a luz se apaga por completo.

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