Corremos pelos corredores em direção á arquibancada, tentamos abrir algumas portas mas percebemos que estão trancadas. Paro de correr e a seguro pelo braço:
— Ei, por que estamos fazendo isso? — Olho fixamente em seus olhos azuis, que agora no escuro mais se parecem com fumaça.
— Por que não fazer isso? — Ela responde se soltando do meu braço e começando a correr novamente.
Passamos da cantina e chegamos ao campo. As portas não estão trancadas e ela entra correndo como se já soubesse disso. Ela corre pra grama e se deita.
— Scart! O que você tá fazendo? — Grito parado em frente a porta. — Não íamos ficar embaixo da arquibancada?
Ela se levanta e grita pra mim:
— Deixa de ser cuzão! Eu achava que você fosse melhor do que eles...
— Achava? Você nem me conhece! — Digo sem conseguir conter o riso.
— Eu conheço sim, conheço seu tipo, você se faz de diferente, superior, finge que não se importa mas quando na verdade é um covarde!
— O que você tá falando? Você tá drogada?
Ela sai correndo novamente e dessa vez corre sozinha.
— Eu vou embora! — Grito o mais alto que posso.
Ela para e se volta pra mim.
— Espera!
Ela vem andando, acelerada. Ela pega minha mão e vamos até a arquibancada.
Nos sentamos em uma caixa de papelão que estava lá e ela diz:
— Me desculpe... Às vezes eu falo algumas merdas, todo mundo fala merda, é só que... Foi mal.
— Ah, dane-se... Eu nem liguei, todo mundo já falou alguma merda sem sentido pra
alguém. — Digo olhando sutilmente pra ela. — Mas admito que fiquei magoado pela forma como você me tratou. — Digo fingindo lágrimas com a mão no peito. Ela me dá um soco no ombro.
— Ridículo!
— Ai, é sério, você já fez uma análise completa sobre mim, destacou vários supostos defeitos e isso tudo só porque eu comi sanduíche. — Digo fazendo com que ela sorria.
— Desculpa. — Ela olha pra mim. — Não era pra você. Quer saber por que estou aqui?
— Não. — Respondo rindo. — Você quer saber por que eu estou aqui?
— Não. — Ela também ri.
— Você está com os sanduíches aí ou amassou quando se jogou no mato?
Ela tira 4 sanduíches amassados num papel de dentro da blusa.
Ela coloca em cima do colo e eu pego um.
— Como você sabe meu nome? — Ela pergunta enquanto pega um sanduíche.
— Ah... Ah... Acho que ouvi um dos seus amigos te chamando assim ontem... — Digo olhando pro chão.
Ela ri.
— Eu podia jurar que um menino parecido com você curtiu uma foto minha.
— Curtir? Onde? Ham? Vamos mudar de assunto.
Faço uma nota mental pra me socar quando estiver sozinho.
— Meu nome é Nick, aliás.
— Nick, ok, é um nome ok. — Ela diz franzindo a testa.
— Como assim um nome ok?
— Nada demais, nada excêntrico ou ridículo. É melhor ser ok, acredite.
— Eu acredito. — Digo encarando-a. — Bom, mas você vai me dizer o que queria fazer aqui?
— Isso. Ficar sentada num lugar sem barulho. É perfeito. Admirar o silêncio.
Olho pra ela com os olhos falsamente arregalados.
— Isso faz parte do pacote? — Digo rindo.
Ela me olha intrigada.
— Qual pacote?
— Você sabe, pra fazer parte do clubinho... Todo mundo que fuma maconha tem que começar a admirar o pôr do sol, as estrelas, dizer frases ambíguas... — Digo fazendo gesticulações confusas.
— Haha! Engraçado, é sério que você acha isso algo demais?
— "Isso" fumar maconha?
Ela acena positivamente com a cabeça.
— Sim! Acho que nossa juventude está perdida — Tento ao máximo soar como um pai. Ela me olha e ri. — Claro que não! Eu tô me ferrando com o que as pessoas usam... Vai de cada um. Não é tão importante assim. Isso não define ninguém. — Digo observando seu rosto.
— É isso! As pessoas passam tanto tempo se preocupando com as outras e esquecem de se preocupar consigo mesmas.
Recebo uma mensagem no celular de Carey: "Onde você tá?"
Visualizo e desligo o celular.
— Algo importante? — Scart pergunta.
— Não, nada demais, é uma amiga minha me perguntando onde eu estou.
— Ah, ela está aqui?
— Tá, tá, ela que organizou a festa.
— Acho melhor voltarmos então... Não é legal deixar as pessoas esperando.
— Isso e também porque tá frio pra caralho!
Ela ri e me abraça.
— Obrigado. — Ela responde colocando a cabeça na altura do meu peito.
Fico com os braços aberto e sem reação.
— É... Tudo bem, eu acho.
Tento abraçá-la e fico desconcertado.
— Vamos entrar então? — Pergunto.
Ela me solta e seguimos novamente pra festa.
Chegamos na porta e ela me para e diz:
— Desculpe pelo abraço, meu dia tava muito merda e foi bem legal conhecer você.
— Ah, não foi nada... — Ela me interrompe sem perceber.
— As pessoas são uma droga! Mas elas nos decepcionam e a gente não consegue parar de gostar delas tão fácil assim o que é uma merda e... — Ela fala rápido sem perceber.
— Tá tudo bem. Sério. Foi engraçado, você é legal, foi bom falar com você. — A interrompo e dessa vez eu a abraço.
Permanecemos abraçados por poucos segundos que pareceram durar toda uma eternidade.
Escuto alguém se aproximando e a solto tarde demais, sinto alguém me puxando e quando viro o rosto levo um soco no nariz, enquanto o sangue escorre pela minha boca, caio e levo um chute na barriga.
— Que merda você tá fazendo Scart? — Escuto ele gritar enquanto ela tenta me ajudar.
Vejo ele puxando o braço dela enquanto desmaio aos poucos. Escuto um barulho de pessoas se aproximando de longe e fico com a visão embaçada até que toda a luz se apaga por completo.
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CEBOLAS
RomanceEra um domingo de manhã nublado, Scart gostava de coisas assim. Ela se sentia bem em dias cinzentos tão como em dias chuvosos, ela achava que talvez combinasse mais com seu humor, sem contar que poder usar suéter e blusa de frio arrancavam lhe sorri...