10° Camada

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— Oi — Digo meio sem jeito.
— Oi... — Ela responde com a voz baixa.
— Desculpe ter ligado — Solto uma risada forçada. — Foi sem querer...
— Não tem problema... — Posso senti-la olhando pro chão mesmo por telefone.
— É... Ontem foi legal. — Digo tentando cortar o silêncio.
— Foi sim, já fazia um tempo desde a última festa que fui.
— Eu também. Não sou muito de festas, sabe...
— Eu me sinto meio desconfortável com todas aquelas bebidas e com as pessoas ficando loucas...
— É, eles parecem idiotas, ficam procurando algo pra aliviar toda a insatisfação que sentem. É meio desnecessário. — Falo com uma leve exaltação. — terrivelmente temporário e
ineficaz. — Completo.
— Sim! As meninas dançam igual loucas! — Ela responde retribuindo minha excitação.
Nós dois rimos.
— Talvez nós sejamos o problema, já pensou nisso? — Pergunto.
— Sério?
— Sim, pensa, nós não gostamos de festa como a maioria das pessoas da nossa idade, nós não bebemos como a maioria das pessoas da nossa idade, nós ainda usamos o telefone para falar com as pessoas! Talvez nós somos os estranhos. — Digo tentando soar o mais sério possível.
— É... Você tem bons argumentos.
— Pois é...
— Talvez devêssemos fazer isso então?
— Não... Foda-se eles, quem se importa?
Ela ri.
— Eu não.
— Eu também não.
Continuamos conversando por mais algum tempo.
Falamos sobre filmes, músicas e coisas legais em geral.
É estranho quando julgamos uma pessoa pela falta de conhecimento sobre ela e quando a conhecemos, nos surpreendemos com o quanto fomos estupidos por fazer isso.
Sempre pensei na Liz como uma menina extremamente entediante mas com menos de uma hora de conversa percebo que tenho mais coisa em comum com ela do que com a maioria das pessoas com quem converso. Ela gosta de filmes antigos, desenhos, história de heróis e música alternativa. Talvez devesse dar uma chance pro Jaden também...

Durmo um pouco e acordo com uma batida forte na porta.
— Nick...
— O que é, mãe?
— Já são mais de dez horas filho, você não está com fome?
— Sai daqui? Obrigado.
Escuto passos ficando distantes e durmo novamente.
Acordo às 10:00 do dia seguinte e decido não ir a aula.
Me levanto e tomo um banho, me olho no espelho e vejo que meu nariz ainda está horrível.
Como um pouco de cereal e coloco cubos de gelo em um saco para tentar diminuir o inchaço do nariz.
Subo novamente pro meu quarto e leio algumas páginas de um livro sobre heróis que o Lance me emprestou.
Escuto o barulho do despertador do meu celular e retiro a programação de 11:00.

Navego pelas redes sociais por algum tempo e busco por algumas musicas novas que não tinha escutado.
Recebo uma mensagem nova de Scart.
- Por que não está aqui? - 11:15.
Respondo:
- Por que você está aí? - 11:15.
- Está com medo de aparecer aqui com o nariz inchado rsrs? - 11:15.
- As notícias voam não é mesmo? - 11:16.
- Bem rápido. Espero que não esteja muito feio... - 11:16.
- Nada além do normal... - 11:16.
- Sobre irmos em algum lugar... Eu topo. - 11:17.
- Quando meu rosto não estiver horrível a gente pode marcar... - 11:17.
- Não precisamos esperar tanto haha. Vai ter uma festa amanhã, às 21:00 na casa de um amigo meu, se você quiser, pode vir comigo. - 11:17.
- É... Acho que não vai rolar. Nada contra seus amigos, é só que não estou muito afim de conhecê-los. - 11:21.
- Eles não são tão ruins assim, acredite. E lá, você com esse nariz quebrado vai ser só mais um... - 11:23.
- Eles têm esse costume de andar por aí com o nariz quebrado? - 11:24.
- Mais ou menos... Eles ficam se batendo, se foi isso que quis dizer. - 11:25.
- É. Acho que tô bem só com o meu nariz quebrado... - 11:25.
- Tudo bem, se você mudar de idéia, me avisa. - 11:26.
- Duvido.... - 11:26.
- Scart, como você percebeu que eu não estava aí? - 11:35.
- Vi seus amigos sentados no refeitório e você não estava lá. Mais alguma pergunta Sherlock? -  11:37.
- Não, nenhuma, obrigado. - 11:37.
Na verdade eu tinha mais uma, queria perguntar como ela sabia que eles eram meus amigos porém me lembrei que ela havia me mandado uma solicitação de amizade, portanto devia ter visto algumas das minhas fotos.
Ligo o computador e revejo minhas fotos compartilhadas. Nada muito embaraçoso, algumas postagens sobre filmes, bandas. Fotos com o Lance e com a Carey. Só minha foto de quando eu tinha 14 com o gato na cabeça causa certa estranheza mas nada a se preocupar. Aceito a solicitação de Scart.
Depois de alguns minutos vejo que ela curtiu esta foto minha com o gato e que ela voltou a aparecer para as outras pessoas. Decido excluí-la. Posso viver sem essa.
Escuto o barulho da porta se abrindo e desço para ver quem é.
Minha mãe entra com algumas sacolas e as coloca em cima da mesa.
— Você desistiu de trabalhar? — Pergunto parado na escada.
— Fui ao médico, consegui um atestado de dois dias... — Ela responde se direcionando pra cozinha.
Desço as escadas e olho as coisas dentro da sacola.
— E você? Por que não foi a aula? — Ela grita sem qualquer necessidade pois não temos porta na cozinha.
— Por isso. — Respondo apontando para o nariz e me escorando no vão onde ficaria a porta.
— Isso não é motivo suficiente. — Ela coloca alguns copos na lava louça. — Escuta, sobre ontem... — Ela diz se apoiando na balcão da pia.
— Não precisa dizer nada... Aquilo tudo não significou nada.
— Eu sei, é só que às vezes eu digo algumas coisas e... Não é como eu me sinto, você sabe. É só que eu ainda estou superando o que aconteceu.
— Talvez você devesse procurar ajuda...
O telefone toca. Ela passa por mim e se dirige para atender.
— Talvez seja alguém do trabalho... — Ela diz o tirando do gancho. — Alô!
Ela escuta por alguns segundo e desliga o telefone.
— Quem era? — Pergunto.
— Nada importante. — ela diz retornando à cozinha e tirando coisas das sacolas. — Vou começa a fazer o almoço, o que você quer comer?
— Qualquer coisa. — Respondo e subo pro meu quarto.
Vejo meu celular e percebo que tenho uma chamada perdida. Não tenho créditos então não retorno à ligação. Se for importante a pessoa vai ligar de volta.
Percebo que já passa das 13:00 e decido tomar um banho para sair.
Quando saio do banheiro escuto meu celular tocando.
Atendo a ligação que fica em silêncio por alguns segundos. Repito alô algumas vezes e quando estou prestas a desligar uma voz grossa responde do outro lado da linha.
— Nick. — Reconheço a voz do meu pai e demoro um tempo pra responder, fico em dúvida se devo ou não desligar a ligação.
Decido desligar. Salvo o número para que não tenha que atender novamente.
Saio de casa e sigo para uma loja de conveniências que fica próxima ao centro.
Ando por algum tempo procurando por um cd de uma banda alternativa que gosto e decido perguntar a um vendedor se eles têm.
— Oi — Digo pra um homem de no máximo 1,70 que está olhando pro nada e provavelmente mentalizando uma outra realidade onde ele não tenha este trabalho merda.
— Oi, posso ajudar?— Ele se vira surpreso pra mim.
— Eu queria saber onde fica a sessão dos álbuns alternativos. Os novos.
— São esses aqui, ele aponta pra uma prateleira com meia dúzia de álbuns do U2, alguns de boy band, vários de cantoras pop e alguns de artistas que eu nunca ouvi falar.
— Esses são todos os álbuns que vocês têm? — Pergunto analisando o pequeno acervo disponível.
— Olha, nós não somos uma loja de disco, vendemos produtos gerais mas essas bandas que ninguém conhece você só vai achar em lojas específicas de música.
— É...
— Posso te ajudar em mais alguma coisa senhor?
— Sim, você pode ir á merda.
Eis uma duvida que me paira sempre: Por que as pessoas preferem ficar infelizes em empregos ruins ao invés de tentarem fazer algo que não odeiem? Se você não gosta de trabalhar em uma loja, por que diabos você trabalha em uma? Se você não quer ter contato com pessoas que não possuem muita informação, por que trabalhar com atendimento ao público? Por que se penalizar? O dinheiro realmente vale mais que a própria felicidade? Se sim, ao menos guarde sua insatisfação para si mesmo. Não seja desnecessário.
Saio da loja e me direciono ao que parece ser uma loja de artigos nerd.
Vejo um grupo de garotos aglomerados em uma prateleira de DVDs e identifico Jaden no meio deles.
Procuro um vendedor e pergunto se possuem o álbum que procuro. Ele me guia até uma estante com dezenas de discos e me diz que provavelmente vai estar ali.
Começo a passar os discos e escuto alguém se aproximando.
— Oi Nick! — Reconheço a voz de Jaden de longe.
— Eae Jaden. — Respondo continuando a procurar pelo disco.
— Soube do que aconteceu com você na festa... Que cara idiota!
— É sim... Um orário. Mas já tô melhor agora.
— Está procurando algum disco específico?
— O novo do Arctic Monkeys, conhece? — Me viro pra ele, causando visível desconforto em seu rosto. — É. Tá bem ruim né...
Ele se volta para os discos e começa a passá-los, encontrando rapidamente o que eu procuro.
— Aqui. — Ele retira o disco da estante e me entrega. — Esse disco é ótimo! Melhor que o anterior.
— É, ouvi falar bem dele, já tinha baixado algumas musicas na internet mas decidi comprar também.
— É sempre legal incentivar a arte...
— É... Ok então, acho que já vou indo... — Respondo já me preparando para sair daquela situação.
— É... É... Nick, hum...
— É... — Gesticulo pelo ar.
— Sobre você e a Liz... Na festa... Vocês têm alguma coisa, sei lá... — Ele diz colocando a mão na nuca e encarando o chão.
— Ah... — Solto um sorriso. — Sobre isso você pode ficar tranquilo, não temos nada.
— Ah! É, eu só queria saber... É que... — Ele sorri e tenta formar a frase, sem sucesso.
— Não precisa terminar, eu sei, fica de boa, nós somos amigos, só isso. Agora eu tenho que ir, até mais. — Respondo dando dois tapas em seu ombro como adeus e sigo para o caixa. Vejo ele voltando para seu grupo e me despeço novamente com um aceno de longe.
Meu telefone toca novamente e vejo que a ligação é do meu pai. Desligo e ele liga novamente. — Mas que merda você quer? — Digo ignorando seu oi.

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Bom galera, chegamos a 10° camada. Este vai ser o último capítulo da semana, espero que gostem e digam o que acharam! O feedback é muito legal.
Deixem o amei, se gostarem, e deixem um amei e indique para um amigo se não gostarem haha (pode indicar se gostar também).
Até segunda ✌🏼️

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