— Você deveria ter me avisado — disse Nilla.
No fundo, Daniel sabia que a esposa estava certa. Notícias como a que acabara de dar, reveladas em meio a uma viagem de fim de semana, podem causar dois tipos de reações distintas nas pessoas: a sensação de estarem recebendo um dos maiores presentes da vida ou a que ele presenciou dentro de sua Cherokee, enquanto dirigia.
— Se eu contasse antes, você teria concordado em vir? — perguntou.
Nilla sequer mexeu a cabeça. Como de costume, fechava-se como uma ostra quando uma discussão se aproximava. Ele não podia dizer que aprovava isso, mas a respeitava. E deixá-la desconfortável não estava nos planos de Daniel — ainda mais que manifestava aquela linda barriga de quatro meses. Mas uma mexida em suas vidas não parecia ser tão ruim assim, mesmo que fosse um pouco radical.
— Vamos, não é o fim do mundo, é justamente o contrário — complementou.
— Comprar e morar em uma chácara?
— Não disse que é uma chácara, é uma casa de campo. Dois andares e lareira. E vamos ficar a menos de cem quilômetros da capital. Eu ainda não fechei o negócio, não faria isso sem seu consentimento.
— Eu já me mudei várias vezes, você sabe... — Nilla mencionava a época em que fez intercâmbio na Itália e todas as vezes em que precisou alterar o endereço a trabalho. — Pensei que estivéssemos bem em nosso apartamento.
— E estamos — concordou Daniel —, mas temos um bebê a caminho. Se pudesse escolher, deixaria ele crescer em meio a nossa vizinhança atual ou deitado ao nosso lado, com um monte de brinquedos espalhados pela grama? Hein?
Nilla esboçou um sorriso. Ótimo. Atingira em cheio alguma lembrança agradável dentro dela. Além disso, o semblante de sua esposa não combinava com amargura. Nilla era basicamente bonita — cabelos castanhos com um rosto magro e alvejado, além de brilhantes olhos verdes — e tinha energia capaz de motivá-lo por mais uns trezentos anos. Mas a pergunta não fora suficiente para convencê-la, e os lábios dela se desmancharam em míseros segundos.
— Você sabe o que me incomoda — respondeu ela.
Daniel não aquiesceu, embora soubesse bem a resposta.
— Sua carreira?
A pergunta fez com que eles descessem do céu ao inferno. Os belos traços de Nilla endureceram, tão instantaneamente quanto o espocar da Nikon que utilizava como fotógrafa profissional. "Você é um miserável filho da mãe!", Daniel disse a si mesmo. Tentou consertar:
— Podemos arrumar uma babá em tempo integral.
— Nenhuma funcionária será boa o suficiente para que eu fique tanto tempo longe de nosso filho, indo e vindo da cidade, despreocupada.
— Você conseguirá fazer suas fotos sempre que houver oportunidade. E organizar a sua própria exposição com bastante calma.
— A exposição! — exclamou ela, desanimada. O sonho de Nilla. Ela não cansava de citar as mostras que assistira no Metropolitan de Nova York ou na Cartier, em Paris. Largos corredores brancos com pessoas conjecturando entre canapés e taças de champanhe. Certamente, imaginava as próprias fotos naquelas paredes. — Minha carreira terá que ficar para depois. Bem depois — completou ela, mas aparentemente arrependendo-se em seguida. Diante da situação, a frase soava estranha. — Você nunca se cansou de me ouvir falar sobre estas besteiras?
— Nunca — respondeu ele. — Olhe, estamos juntos nessa! Terei bastante tempo para cuidar de nosso filho, não precisarei estar na redação todos os dias. Posso escrever minhas matérias de qualquer lugar. Talvez consiga uma coluna, quem sabe... Marvin e eu já cogitamos isso.
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Ponto Cego
ActionEdição atualizada (2016) do premiado romance de Felipe Colbert. Sinopse: Um ano após o acidente que interrompeu a gravidez de Nilla e sentindo-se culpado pela iminente separação, o repórter Daniel Sachs recebe um pedido de socorro escondido em um ob...