Capítulo 11

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Daniel retornou para a editora sem dissuadir a atenção do minúsculo objeto. Acomodava-o com cuidado na palma da mão fechada, como uma criança que encontra um inseto curioso na grama e leva correndo para casa.

Por que isso estava dentro do isqueiro?

Lembrou-se da máquina fotográfica que mantinha na redação. Não era uma máquina profissional, mas compatível. Quando a encontrou, retirou o cartão e colocou o novo. Ligou. Havia apenas um arquivo de vídeo gerado com um nome automático, nada mais.

Não precisou sequer selecioná-lo. Limitou-se a apertar a tecla PLAY.

O coração quase parou.

Neste momento, o que Daniel mais desejava em toda a vida materializava-se na sua frente, na pequena tela colorida da câmera fotográfica, num close que não poderia ser mais perfeito.

Lá estava ela.

— Nilla... — murmurou ele.

Sua ex-mulher mantinha os cabelos longos, embora parcialmente cobertos por um gorro preto. A pele estava branca. Não, gelada. Fazia frio. Os olhos, aqueles lindos olhos verdes, destronavam as outras cores à volta — em especial, uma parede com vários sinais de reboco que ficava ao fundo. Mas os olhos traziam outro detalhe mais comovente: apresentavam-se úmidos.

Ela chorava.

Daniel acariciou a tela, como se pudesse transmitir o gesto através do tempo e do espaço. Queria abraçar Nilla. Consolá-la. Então, pressentiu que ela falaria e aumentou o volume.

— Daniel — disse ela, fazendo-o tropeçar em um abismo de saudade —, eu gostaria de nunca ter ido embora. No fundo, você sempre soube. Não foi sua culpa. — Por um instante, os olhos chorosos de Nilla penderam para baixo, como se ela não fosse conseguir continuar. Depois, equilibraram-se para cima. — Não se preocupe com o que acontecer daqui para frente... Perdoe-me.

E desapareceu.

Daniel não sabia dizer por quanto tempo ficou ali, sentado, amortecido pelo que acabara de assistir. Tudo à sua volta tornara-se etéreo. Uma mensagem de arrependimento da pessoa mais importante em sua vida. Uma pessoa que permitiu que fosse embora, acreditando ser a melhor coisa a ser feita. Na verdade, a pior coisa a ser feita, pois agora soava como um erro intolerável, ridículo ou grotesco.

Precisava se concentrar: o que ela queria dizer com "não se preocupe com o que acontecer daqui para frente"? Em que ocasiões uma pessoa falaria isso? E o mais importante... por que esconder a mensagem dentro de um isqueiro?

As mãos suavam. Daniel apertou o PLAY e assistiu novamente. E depois, outra vez. A cada momento, a certeza de que Nilla ainda pensava nele aumentava. As lágrimas acumularam-se nos seus olhos. Não era um sonho, tinha o cartão como prova. Algo concreto, físico.

Só havia uma razão para tudo aquilo...

Perigo.

A palavra ecoou com força na mente. Não havia outra explicação, pois Nilla não costumava agir assim. Aliás, só vira aquela expressão triste nos dias que se seguiram ao acidente; um choro profundo e complexo demais para a compreensão dele.

A gravidez. A perda. O vazio.

Nilla só podia estar ameaçada. E se o pior acontecesse, ele nunca se perdoaria.


***

— Ainda bem que está aqui! — A voz de Marvin surgiu firme em meio ao furacão de sentimentos. Daniel desligou a máquina num sobressalto.

— O que foi?

— Pensei que já tivesse ido embora. Quase saí correndo atrás de você.

— Não era o que eu deveria ter feito?

Marvin aquiesceu.

— Sim, foi a minha recomendação. Até descobrir algo.

— Marvin, desculpe, não estou compreendendo.

— Qual foi a última coisa que falei antes de você sair da minha sala?

— Que eu deveria ir para casa?

— O.k., certo. A penúltima coisa, então.

Daniel se esforçou, mas não conseguia se lembrar. Sentia-se bastante atordoado. Então Marvin deu a resposta, impaciente:

— Que eu tentaria falar com Nilla. Continuaria tentando, que iria ajudá-los. Não foi isso?

— Certo... E você conseguiu?

— Infelizmente não. Tentei diversas vezes no celular dela, mas assim como você, só consegui ouvir a caixa postal.

— Então...

— Então surgiu a ideia de telefonar para o hotel em que ela se instalou em Veneza. Uma hospedaria chamada Brezza.

— Você sabe exatamente onde ela está hospedada?

— É claro! Ela está fazendo um trabalho para a revista, lembra-se? Nós mesmos providenciamos a reserva, aliás, todas as despesas são por nossa conta.

Daniel fez sinal de que entendera.

— E ela não estava lá?

— Não.

— E...?

— Eu falei com a responsável pela hospedaria. Ela me disse que apenas os pertences dela continuavam no local. — Marvin pausou por alguns segundos, fitando os olhos de Daniel.

— O que você quer dizer com isso?

— Nilla desapareceu, Dan. Há alguns dias.    

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