Capítulo 8

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Daniel se arrependeu da ideia que teve. O melhor a fazer seria deixar tudo de lado: o envelope internacional, o isqueiro, a página na internet... se simplesmente não desse importância, pegasse toda aquela baboseira e desaparecesse de vista, talvez, assim, o sentimento não se tornasse pior.

A dor da perda.

A tela do celular, pausada no nome de Nilla, parecia gritar por atenção. Ele olhou para a mesa vazia ao lado e sentiu o estômago se comprimir. A mesma mesa que ela ocupou na primeira vez que pisou na redação.

Lembrava-se como se fosse hoje: Nilla havia acabado de chegar da República Dominicana. Era assim, adorava rodar o mundo. Cada viagem, cada lugar novo que conhecia, trazia na bagagem uma pasta tão cheia de fotografias que chegava a estourar o fecho. Ao contrário dos outros repórteres, que logo notaram as longas pernas de andar cauteloso e cabelos esvoaçantes, Daniel mal levantou a cabeça do computador para cumprimentá-la. Parecia um egiptologista remoendo-se no interior de sua escavação particular. Permaneceu assim por bastante tempo, sem dar atenção ao sol que brilhava do lado de fora, tal qual um verdadeiro idiota.

Então Nilla tomou a iniciativa.

Nas semanas seguintes, sempre que ele chegava à redação, uma foto diferente aguardava por ele em cima da mesa. Nilla provocava um contato diário. Cores distintas, formas delicadas, não importava o que estivesse ali: cada detalhe, cada centímetro daquelas imagens, demonstravam uma expressão de sentimento, um significado. E mesmo depois de casados, ela continuou deixando fotografias sobre a mesa. Acabou se tornando um vício para os dois.

Até que, um dia, as fotos desapareceram.

Logo após o acidente.

Aquela martelada, dia e noite. Sem descanso.

Agora, Daniel só precisava de uma boa desculpa. E ela estava bem à vista, em forma de um isqueiro. Mas o dedo continuava paralisado no celular, num tolo reflexo de insegurança, por ter se distanciado tanto.

Havia meses que não falava com Nilla.

Mas se fosse ela, o que estaria fazendo em Veneza?

Não importa! Ele devia ter ido atrás dela em algum momento, não ter se afastado tanto. Seria uma boa solução para os últimos acontecimentos. Talvez o telefone de Nilla nem fosse o mesmo — embora desfazer-se do número significava, para ela, perder vários clientes. Mas se estivesse morando em outra parte do mundo, bem... Nilla já residira na Itália, e esta parecia ser uma ótima possibilidade.

"Que se dane!", disse para si mesmo.

O polegar saiu da posição letárgica e apertou a tecla verde.

CALL.

Daniel colou o celular no ouvido e ficou atento, escutando chamar do outro lado.


***

Daniel permaneceu imóvel. Segurava o celular na mão com tanta força que teve receio de destroçá-lo em mil pedaços. Foram seis toques sem que ninguém atendesse, até surgir a gravação na caixa-postal:

"Olá. Sinto muito, mas não foi desta vez! Tente de novo daqui alguns minutos ou deixe seu recado que retornarei assim que for possível. Acredite em mim! Quem não acreditaria?"

Ao terminar de escutar aquilo, Daniel sentiu um formigamento percorrer cada célula do corpo. Nilla mantinha o número. Poderia reconhecer a voz dela, mesmo que se passasse mil anos. A entonação afetuosa, o discurso objetivo, o bom-humor dirigido a quem quer que fosse.

Ponto CegoOnde histórias criam vida. Descubra agora