Capítulo 7

5 0 0
                                    

Pacino entrou na sala e encontrou Fazolato atrás de sua grande mesa de carvalho. Parou com as mãos guardadas nos bolsos, esperando por um "buon giorno" que, já imaginava, não viria ao mundo tão cedo. O que principiou a conversa foi uma frase bem menos conveniente:

— Acho que sabe por que o chamei — disse Fazolato.

Sì, signore.

— Quanto tempo já se passou?

— Contando a data em que ela foi vista pela última vez, apenas três noites.

— Apenas? — Fazolato esfuziou em seguida, e Pacino se arrependeu de ter colocado as palavras daquela forma. — O que você descobriu?

— Estou analisando informações. A última pessoa com que ela falou foi Giotto, o dono do bar. No final de expediente, Barbara se despediu como de costume e depois seguiu para casa. Tudo aparentemente normal, até desaparecer.

— Então aconteceu durante o trajeto?

Pacino confirmou com um aceno de cabeça. Não sabia exatamente o local, já que até então, não havia testemunhas. Contou que traçou o caminho mais curto entre os dois pontos, presumindo que fosse o ideal para que uma jovem sozinha chegasse rapidamente em casa, tarde da noite. Depois repetiu o mesmo percurso com ajuda da perícia, mas eles não encontraram nenhum vestígio.

Fazolato se manifestou:

— A não ser...

— A não ser que, nesse dia, ela tenha alterado o caminho. Então decidimos cobrir uma área maior. Mesmo assim, não havia nada.

— E o que faz pensar que o dono do estabelecimento está falando a verdade? E se ela não saiu do local naquele dia?

— Conversamos particularmente com Giotto. Em seguida fizemos uma acareação com Roberto, o outro funcionário. Ambos confirmaram a mesma história. Liguei aqui para a questura e pedi que puxassem as fichas dos dois. Limpos. Nem Giotto, nem Roberto, tiveram qualquer passagem.

— Mas não os inocenta, principalmente se estiverem agindo juntos.

— Exato. Por isso pedi para ver a gravação da fita de segurança.

— Eles têm um sistema de segurança?

Pacino aquiesceu novamente. A admiração de Fazolato não soava estranha. Muitos estabelecimentos na cidade careciam de modernidade. A maioria, lojas simples, artesanais, com recursos modestos para tais aparatos.

— Eu mesmo conferi os últimos passos. A ragazza organizou as mesas e limpou o balcão. Depois de passar pelo banheiro, retornou ao salão e conversou com Giotto. Não havia áudio, mas dava para ver que trocou poucas palavras com o patrão. Em seguida, pegou a mochila e despediu-se de Roberto, de longe. Ele chegou até a porta da cozinha com uma vassoura nas mãos e fez um cumprimento de "até amanhã". Deixou o local sozinha, quase quinze minutos após o último cliente ter saído do estabelecimento.

— À princípio, isso basta.

Fazolato coçou a barba. Olhando contra a luz fria da janela, Pacino via que ela estava maior. Seria o suficiente para cobrir toda a calvície. Então o chefe fez outra indagação:

— A garota... como é o mesmo o nome dela?

— Barbara.

— Exato. O que sabemos sobre ela?

— Fisicamente? — E assim que fez a pergunta, Pacino percebeu os olhos de Fazolato flecharem as suas olheiras e em seguida a camisa amarrotada, como se a palavra despertasse mais curiosidade sobre sua aparência do que a dela. — Eu diria que ela é uma jovem bastante admirável se compararmos com as que andam por aí — concluiu.

— Mas nada além do que isso, certo? Hoje em dia, do jeito que elas se vestem, todas são bastante admiráveis para homens como nós.

Pacino percebeu a malícia na voz do chefe. Embora tentasse manter segredo, todos na questura conheciam ou ouviram falar das puladas de cerca dele. Sem conseguir evitar, Pacino terminou fitando o porta-retrato onde o velho dividia o convés de um barco com sua esposa e dois filhos. Nenhuma filha. E até então, nem um fio de barba.

— O signore quer saber sobre a família dela? — perguntou.

— Pode ser.

Aquela parte não ajudava muito. Barbara não possuía irmãos. Pai falecido, e uma signora sexagenária com aparência senil o suficiente para ser sua mãe. Há uns dois anos, a mulher sofrera um AVC no chuveiro e caíra quebrando o fêmur em três partes, e quase não andava mais. Falar, tão pouco. Coube à Barbara cuidar da pobre velha. As duas moravam juntas em uma casa simples no sestiere Castello, longe do comércio. Uma vizinha, quase tão idosa quanto à mãe, auxiliava a ragazza quando esta estava fora, trabalhando.

Depois da explicação, Fazolato perguntou:

— Nenhum outro parente?

— Apenas um casal de primos e tios que não residem em Veneza, mas não foram contatados ainda.

— Ótimo. Onde está a mãe?

— Providenciamos um hospital. Uma equipe de resgate fez a transferência há cerca de três dias. É temporário, até que resolvamos o caso. — Pacino coçou a testa. — Ela mal compreende o que ocorreu com a filha.

Fazolato não demonstrou emoção, como se a resposta nem tivesse chegado aos ouvidos. Seu rosto duro fitou o investigador mais a fundo.

— Você entendeu quando eu disse "ótimo"?

— Mais ou menos, signore.

— O que eu quero explicar, Pacino, é que não necessitamos de alarde. Ninguém deseja um batalhão de repórteres na porta da questura, dia e noite. Em pleno carnevale e com a cidade lotada de turistas, isso não parece ser uma boa ideia, não é mesmo?

— Compreendo.

— Espero que os dois homens do bar permaneçam em silêncio.

— Eu fiz o de praxe — explicou. — Passei minhas recomendações expressas para que não comentem nada com outras pessoas ou pode atrapalhar as investigações. Giotto confirmou que, caso lhe perguntem, ele dirá que deu alguns dias de folga para Barbara.

— Melhor assim.

É claro, pensou Pacino.

Fazolato tinha o coração duro e não se importava se pessoas haviam sido prejudicadas, se preocupava apenas com a repercussão do caso. Todavia, Pacino não enxergava outra saída senão correr por aí, perguntando se alguém havia presenciado algo. Talvez devesse insistir na ideia, mas sabia o que Fazolato diria: "Se alguém viu alguma coisa, já teria ligado para a questura". E também podia adivinhar o porquê do silêncio ser tão importante; com a história vazando — parecia ser só uma questão de tempo —, o prejuízo para o turismo da cidade viria em cascata, e algumas pessoas não gostariam nada disso. Como o prefeito, por exemplo. Por outro lado, se continuasse seguindo essa linha de raciocínio, não poderia sair pelos canais procurando por testemunhas. Pelo menos, não da maneira convencional.

Só que havia mais.

— Eu não gostaria de citar isso agora, mas sei o que seus companheiros andam falando sobre seu comportamento — Fazolato alardeou. — Você tem um caso complicado nas mãos. Não ligo se quiser cuidar dele sozinho, sempre o considerei um dos meus melhores homens, e nem me lembro da última vez que o vi agindo com parceiros.

— Não é nada pessoal, chefe — interrompeu Pacino.

— Sei disso. Mas o problema não são eles com você, é justamente o inverso. Sempre foi um sujeito difícil, Pacino. Eu te conheço bem. Agora vá e mantenha-me informado — disse, espanando o vento com as costas da mão. — E apenas para enfatizar: ouvir de minha boca que você é um dos melhores não vai livrar o seu rabo se algo der errado.

Pacino aquiesceu pela última vez antes de sair da sala. Agora sabia por que tinha sido chamado até ali.

As últimas palavras de Fazolato eram bastante claras...

Deveria encarar o caso como sua última chance.    

Ponto CegoOnde histórias criam vida. Descubra agora