Capítulo 9

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A conversa com Alberto Fazolato não durou mais do que alguns minutos. Mesmo assim, Pacino retornou para a escrivaninha certo de que o chefe o convocara para fazer mais do que simples perguntas sobre o caso. Queria, de fato, encostá-lo no muro. E havia conseguido.

Pacino sentou-se novamente em sua cadeira com a cabeça explodindo de dor. Facas perfuravam as suas têmporas. Maldita ressaca!

Abriu a gaveta e catou um par de analgésicos. Eles acabariam com seu estômago, mas que se dane! Nada pior do que a ficha da garota desaparecida com o rosto encarando-o, parecendo um fantasma.

Levantou-se e buscou um copo d'água do bebedouro. Ingeriu-o com os comprimidos. Depois retornou ao lugar e deslizou o corpo na cadeira, torcendo para que o desconforto passasse logo.

O telefone zumbiu. Na pior hora possível, é claro.

— Pronto?

Investigatore Pacino?

— Eu mesmo.

— Giotto. O Giotto, do bar.

Pacino demorou alguns segundos até se recordar que havia dado seu cartão para o homem após encaixar as palavras de praxe: "Telefone-me se lembrar de algo".

— Como estão as coisas?

— Dentro do possível, bem — disse Giotto, cercado de silêncio. Não devia estar no salão. — O signore me pediu para ligar caso tivesse alguma coisa, mesmo que fosse pequena ou insignificante, não é?

Pacino empertigou-se na cadeira.

— Exato.

— Antes de qualquer coisa, peço desculpas pelo meu nervosismo. Entenda, estou um pouco inquieto desde aquele dia. Todas as vezes que abro o estabelecimento, penso que Barbara entrará por aquela porta e tudo voltará ao normal.

— Compreendo. Mas não sabemos o que ocorreu de fato, e ela pode estar bem, até melhor do que nós — disse Pacino, embora duvidasse bastante das próprias palavras. Queria avançar logo até o ponto que interessava. — Conte-me, qual é o motivo do telefonema?

— Eu estive observando novamente a gravação.

— Nós dois analisamos juntos, vimos que não houve nada de anormal.

, é verdade. — O homem fez uma pausa, tornando o silêncio mais pesado. — Mas não me refiro ao instante em que ela saiu, e foi só o que olhamos.

A dor na cabeça de Pacino ficou mais latente.

— Giotto, não estou entendendo. Conte logo.

— Havia duas gravações naquele dia.

— Como assim?

— Nós analisamos apenas a segunda filmagem, não a anterior — explicou. — Ouça... as fitas de segurança não duram muito, devem ser trocadas periodicamente. Às vezes eu me encarregava disso. Outras vezes, Barbara. Quem se lembrasse da tarefa, na verdade.

— Espere um minuto... Você não me contou que havia outra fita.

— Porque eu não tinha ideia que havia sido usada. Neste dia, foi Barbara quem fez a substituição. O revezamento ocorreu mais ou menos na metade da tarde.

Pacino apoiou os cotovelos na escrivaninha. A esta hora já estaria gesticulando bastante, se não fosse a maldita ressaca.

— Por favor, Giotto, seja mais direto. Não entendo aonde quer chegar.

— O fato é que hoje decidi chegar um pouco mais cedo, aproximadamente uma hora antes de iniciar o expediente. Ficaria todo este tempo aqui, no meu escritório, disposto a observar a gravação do último dia de trabalho de Barbara. Foi quando me dei conta que ela não iniciou no horário diurno.

— Então você presumiu que devia ser a segunda fita.

— Exato.

Pacino recordou-se de ter dito que não havia necessidade em confiscar nenhuma filmagem, uma vez que o crime — se é que realmente havia um — não ocorrera dentro do estabelecimento. Era mais comum recolher vídeos apenas em casos de brigas, assaltos ou homicídios, especialmente para identificação de rostos.

Giotto continuou:

— No meio da tarde, Barbara recebeu alguma coisa, e isso não me pareceu... bem, muito natural.

— O que quer dizer com alguma coisa?

— Uma caixa. Não muito grande, talvez do tamanho de uma caixa organizadora, como as que tenho aqui na prateleira. Aparentemente foi deixada por alguém na porta do bar.

Pacino sentiu como se dedos estalassem próximo ao seu ouvido. Uma caixa deixada na porta?

— Você observou alguém suspeito?

— Absolutamente. A câmera não tem alcance para isso. Além do mais, Barbara deu um passo para fora, se agachou e voltou muito rápido, sem tempo de trocar palavras com um mensageiro ou assinar qualquer documento.

— O que ela fez? Abriu a caixa?

— repetiu.

— E o que havia dentro?

Giotto pausou um pouco antes de responder.

— Bem, investigatore, posso contar o que acho que vi, mas seria melhor o senhor conferir com seus próprios olhos treinados.

Parecia uma sugestão idiota, porém, tinha lá seu fundo de razão. Afinal, Giotto fez exatamente o que Pacino havia sugerido: telefonar para ele.

Outro instante de silêncio se deu de ambos os lados. Pacino olhava para o peso de papel reluzente e via o reflexo de um homem prestes a tirar uma grande bola de concreto das costas. Até atender aquele telefonema, não tinha a menor ideia de como agiria em relação à investigação. Sentia-se inseguro, cansado, e a cabeça latejava terrivelmente por causa da ressaca. Agora, ainda que aborrecesse, ela já não tinha tanta importância assim.

Pacino decidiu agarrar o mísero fio de esperança e se mexer de verdade:

— Você está certo. Não saia daí, estou indo ao seu encontro.

Desligou antes de ouvir o homem concordar. Levantou-se da cadeira, vestindo o paletó e o casaco em seguida. Enfim, uma ótima notícia. E Pacino só precisava de uma boa desculpa para deixar a questura e voltar para onde ele mais se sentia vivo...

Os canais de Veneza.    

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