Capítulo 4

5 0 0
                                    

A primeira coisa que Daniel fazia ao chegar à redação era recolher os lembretes que as pessoas colavam ao redor da sua estação de trabalho. Ele odiava aqueles papeizinhos coloridos, embora eles se prestassem bem à função: lembrá-lo das tarefas diárias. Só que isso não significava dizer que as cumpria de fato, especialmente às vésperas de um feriadão. Então, destinou a maioria para a lixeira.

O passo seguinte era conferir os e-mails.

Ao retirar o laptop da bolsa, o pacote de correspondências tombou e se abriu, espalhando tudo pelo chão.

Não acredito!

Daniel esticou os braços a fim de coletar a papelada. Naquele instante, decidiu tratá-la da mesma forma que os lembretes. E em pouco tempo, a lixeira ficou tomada de papéis rasgados. Mas quando encontrou o misterioso envelope da transportadora, ele se reteve. Tinha nas mãos um envelope branco, levemente volumoso no fundo. O que o homem disse? Uma encomenda internacional? Não havia selo, nem carimbo. Pior: sem remetente, apenas uma grande etiqueta.

Rompeu o lacre, compenetrado. Virou o envelope e um pequeno objeto retangular caiu em sua mão.

Mas que diabo...?

Um isqueiro de metal.

Zippo.

Daniel permaneceu parado, incrédulo. O que era aquilo, um presente? Se fosse, a pessoa não o conhecia bem. Não fumava, jamais fez isso em toda sua vida. Tinha aversão a cigarros, charutos, cachimbos ou qualquer coisa que acendesse nos lábios e expelisse fumaça. Imaginou se não teria sido um engano da transportadora, porém o envelope chegou lacrado, com a etiqueta de destinatário intacta e o seu nome explícito nela: "DANIEL SACHS". Aparentemente, não havia erros.

Deu uma nova olhada, mas não tinha mais nada dentro. Não devia passar de uma pequena brincadeira. Mas de quem?

Daniel analisou o objeto. Girou a tampa no eixo traseiro e ouviu o indefectível clique. Mesmo os não fumantes poderiam reconhecê-lo com facilidade: os isqueiros Zippo haviam se tornado ícones da indústria cinematográfica e da literatura universal. Uma marca reconhecida em todo o mundo, valiosa para alguns colecionadores. Apenas dois detalhes diferenciavam-no dos outros que já tinha observado. Em um dos lados havia uma gravura em alto-relevo: um leão alado na cor dourada. Daniel teve a sensação de ter visto a imagem, mas não conseguia se lembrar onde. Do lado contrário, alguém arranhara o metal, produzindo um desenho curioso: três círculos concêntricos, o menor deles preenchido como um ponto.

Tentou acender o isqueiro, mas foi inútil. Não funcionava. Observou então que o pavio nunca havia se queimado.

Um objeto novo. Mas por que alguém o riscaria?

Ele passou alguns instantes girando o isqueiro na mão, tentando assimilar o presente misterioso, porém, não havia nada mais a observar. Não passava de um isqueiro arranhado. Pensou em dar o mesmo destino que as cartas e lembretes, mas, no fundo, sentia-se incomodado em desfazer-se dele. Então voltou a notar a imagem em perfil que sobressaía do metal. Tentava se recordar de onde a tinha visto.

Decidiu procurá-la na internet. Ligou o Macbook e entrou em um site de buscas. Digitou as palavras "leão" e "alado".

A página carregou com milhares de referências.

Daniel começou a clicar em cada link. Havia muitas variações de animais com corpo de leão e asas de águia, com textos que citavam desde a Babilônia até mascotes de equipes de esportes. Todas apenas semelhantes.

Mudou a seleção para filtrar somente as imagens. Com a outra mão, Daniel abria e fechava o isqueiro repetidas vezes. O clique já se mostrava deliciosamente vicioso. Então a tela passou a mostrar pequenos thumbnails, deixando a pesquisa um pouco mais simples.

Após avançar algumas páginas, ele finalmente percebeu.

Era o mesmo leão alado.

E só podia ter vindo de um lugar.

Ponto CegoOnde histórias criam vida. Descubra agora