Capítulo 9 (final): Não posso deixar o meu mundo fugir

23 4 0
                                    

3h02.

Acordo sobressaltado. O meu telemóvel começa a tocar. Sabes que algo está errado quando te ligam às três da manhã...

O número era desconhecido. Pensei em desligar, mas deu-me alguma coisa e atendi instintivamente.

"Estou? Estou a falar com o sr. Bruno Gaspar?"

Não.

Aquela voz.

Aquela frase.

Aquele pensamento.

Eu já conhecia isto bem demais.

"... Aaaa sim, é o ... P-próprio"
Não me aguentei. Comecei a chorar compulsivamente, e levantei-me a correr para o quarto do André. A enfermeira continuou a falar, a dizer que era do hospital de Leiria.

"O que aconteceu? Foi o André, não foi?!", questionei, não me conseguindo conter.

Enquanto isto, vi uma nota em cima da secretária dele, e simplesmente agarrei-a, sem a ler. A enfermeira continuava a falar comigo, dizendo que não podia dizer o que tinha acontecido, mas para eu ir para lá o mais depressa possível. E de repente, pensei: "E se ele ainda estiver vivo? E se tiver sido só uma tentativa e alguém o tenha impedido?!"

Simplesmente voltei ao meu quarto, vesti uma t-shirt enquanto a enfermeira me dizia para eu ter calma. A chamada acabou enquanto eu ia a sair do meu quarto. Olhei de relance para o quarto da dona Rosa, que estava a dormir de porta aberta, provavelmente por causa do filho, mas esta continuava a dormir. Ela andava a tomar uns comprimidos, provavelmente calmantes. E dos fortes. Fosse o que fosse, fazia-a dormir profundamente.

Lembram-se dos 7 minutos?

5...

Demorei apenas 5. É nestas alturas que eu realmente não me arrependo de ter gasto o meu dinheiro num bom carro.

Assim que cheguei ao hospital, a suar, perguntei a tudo o que era ser humano nos corredores pelos quais eu passava apressadamente pelo meu companheiro. Até que, depois de levar como resposta alguns "não sei", um médico apareceu, e disse com estas exatas palavras, as quais nunca me vou esquecer: "Temo informá-lo que quando o encontrámos, ele já estava sem vida. Uma patrulha de bombeiros estava a passar numa zona de mato, e ele já estava pendurado há cerca de uma hora, talvez menos. As nossas mais sinceras desculpas, mas não houve nada que pudessemos fazer...".

Permaneci calado, a olhar para o chão, até que passado uns momentos me apercebi que ele não me abandonaria até obter uma resposta. Eu não sabia o que responder, mas tinha algo a perguntar:

"Posso vê-lo?"

"Claro", respondeu, continuando com o tom calmo, grave e sério.

Comecei a chorar silenciosamente. As lágrimas simplesmente rolavam pela cara abaixo. Não consigo sequer descrever o que senti e o que vi. Tinha a visão turva das lágrimas, mas entrámos numa sala, provavelmente da autópsia, e viu-o lá, ou melhor, o corpo dele. Fiquei a olhar para ele, enquanto o médico saía, a dizer:

"Saia quando quiser. Fique à vontade. Mais uma vez, os nossos pêsames".

Eu ouvi a porta a fechar atrás de mim, som que ecoou na minha cabeça durante algum tempo. Eu estava sem reação. Simplesmente não conseguia mexer-me, sentir algo, expressar algo...

Não havia nada. NADA!

A visão estava ainda turva, mas as lágrimas não saíam. Eu simplesmente continuava a fixá-lo. Sem vida. Ambos. Eu e ele.

Acabei por voltar a mim, e reparei que me tinha ajoelhado, com uma mão na lateral da maca onde ele estava deitado. Levantei-me, e olhei para ele. Despedi-me: " Até à proxima aventura". E saí.

Entrei no carro, e levei a mão ao pescoço. Estava derreado. Estava perdido. Estava só. Levei a mão ao bolso das calças, à procura das chaves do carro, e encontrei o bilhete dele. Como é obvio, comecei a lê-lo:

"Não consigo mais. Eu não aguento sem ela. Desculpa, eu tentei mesmo aguentar-me, tentei. Tu ajudaste-me imenso, e eu nunca vou conseguir recompensar-te, Bruno. Mas obrigado, mano. Obrigado por tudo o que passámos juntos. Por todas as noites de diversão ou de consolo. Todas as tardes desperdiçadas com os meus dramas e essas merdices todas. Cada letra, sílaba, palavra, frase fez um impacto muito grande em mim. E eu sempre te admirei. Mas ela tornou-se algo indispensável. Algo irresistível. Algo com o qual não posso viver. E saber que bastava uma palavra minha para ela não fugir de mim... É ainda mais insuportável. Adorei conhecer-te, e vou sempre olhar por ti.

Diz à minha mãe que eu sempre a amei, e que peço desculpa por ter de a deixar, mas é preferível assim do que "viver" vazio o resto da vida.

Teve mesmo de ser... Ela era o meu mundo... Não posso deixar o meu mundo fugir, pois não?"

Chamadas às 3 da manhã...Onde histórias criam vida. Descubra agora