Capítulo I - Poema Obscuro no Jardim

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Já fazia um ano que perdi minha mãe,e sua falta me angustiava sem fim, levantar da cama me parecia desnecessário, tudo era. Afinal, que adianta se quem amamos sempre se vai no final? Me virei pro lado e tentei voltar ao sono, a Isa, minha ama entrou no quarto já abrindo as cortinas deixando a luz do sol entrar.

- Katherine! Saia dessa cama, vamos, menina. Há um dia lindo lá fora, caso queira, posso levá-la ao jardim.

- Me perdoe, ama. Me recuso a sair de meus aposentos, não desejo ver dia algum, nem noites se possível. Deixe-me, e te suplico que feche as cortinas, essa luz me incomoda.

- Pequena, precisa viver, és tão jovem e herdou a beleza de sua mãe, tanto quanto seus talentos, vamos, vista-se e vamos fazer algo que queira. Qualquer coisa que me pedir.

Ama agarrou-me pelos braços me dando algum de meus vestidos, usei o de sempre, um preto simples e confortável pois odiava me sentir sufocada pelos demais vestidos da moda. Sempre me agradou me sentir livre. Me vesti enquanto ama me escovava os cabelos castanhos que tenho, o prendeu para trás para que me refrescasse. 

Desci sem ânimo como de praxe, toda aquela imensidão de moradia me sufocava de certa forma, estava tão preenchida de solidão. Corredores compridos, salões vazios, móveis empoeirados, o piano na sala.. minha mãe adorava tocar piano, e o tocava como ninguém. Em tempos passados essa casa era repleta de notas lindas tocadas por dedos de um anjo. Era tão pequena, e ouvia a melodia em cada cômodo, tudo era tão feliz. E hoje só o que me resta é saudade, ainda não me sinto preparada para perde-la e me arrancaram tão de repente. Meu pai, um homem rico e arrogante, visita-me duas ou três vezes ao ano, me trazes algum presente feminino que me desagrada e se vai na manhã seguinte. 

Entro na biblioteca, um dos meus lugares favoritos, minha dor é momentaneamente distraída quando abro algum livro para ler. E desse vez escolho um de poesia do Edgar Allan Poe.

- Acho que esse seria perfeito para ler em um jardim em um dia tão colorido, não é mesmo? - Falo sarcástica para mim mesma.  

Sair porta afora era uma tortura, o calor me irritava involuntariamente, odiava suar, logo procurei alguma sombra para me sentar. Andei meio ao jardim e me acomodei em uma cadeira de balanço branca embaixo de uma árvore. Havia uma brisa leve e agradável, ali estava tolerável. 

Abri meu livro e logo esqueci o meu redor aleatório..

Romance, who loves to nod and sing,

With drowsy head and folded wing,

Among the green leaves as they shake

Far down within some shadowy lake,

To me a painted paroquet

Hath been—a most familiar bird—

Taught me my alphabet to say—

To lisp my very earliest word

While in the wild wood I did lie,

A child with a most knowing eye.

Aquelas palavras ecoavam na minha cabeça como se escondessem e eu tivesse que encontra-las em algum lugar desconhecido. Será que algum dia irei me curar dessa dor interminável? Será que a amá tinha razão? irei encontrar alguém que me fizesse feliz? Não tinha vontade de descobrir, nos dias de hoje as pessoas se casam por interesse, e esse seria um dos meus últimos. De certa forma não confio nos homens, nem em suas palavras ao vento em busca de interesse próprio, meus pais são exemplo disso. Por mais que acredite em romance, está limitado aos livros e basta. Não sou tola, seria possível ser feliz se me casasse com algum poeta, ainda assim queria ser a própria poesia, nada menos que isso.

Deitei um pouco para pensar e sem delongas, peguei no sono com o livro no peito. Por mais agradável que estivesse ali, não me sentia bem. Nunca me sentia bem, em lugar algum, em situação alguma. O médico as vezes chega a minha casa para me examinar e nunca tenho nada além de tristeza. 

Acordo perto do meio dia quase, ama me chama pela janela:

- Kat, menina, venha cá, entre rápido, se apresse, tenho algo a contar. 

- O que houve, ama? Não me assuste.

- Teu pai, está a caminho, mandou-me uma carta avisando-me que irá busca-la. Talvez irá morar com ele na Finlândia. 

- Não seria possível, não posso sair de minha casa, não posso. E o que farei lá? absolutamente nada!

- Acalma-te. Deixe-o chegar pelo menos, já estás aflita. Ora o que faras, o mesmo que faz aqui. 

Não podia sair de minha residência, e morar com meu pai? Para mim ele é um homem desconhecido. 




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