Capítulo XII - De volta das sombras

55 7 0
                                    


Dois anos se passaram, mais um funeral para minha coleção mórbida de perdas. A Ama morreu de velhice, sua idade já não a permitia mais fazer esforço algum. Como todas as perdas, essa me doeu a alma, me senti perdida pois sem a ama o que faria? Não sei cuidar de mim sozinha, mas fui forçada a me adaptar com a solidão. Era como se eu fosse destinada a perdas e dores, como se testassem os meus limites, e eu já estava exausta. 

Passei a morar só, sem empregados, nem nada. As vezes saía para cidade para comprar comida, livros e bebida alcoólica. Passei a fumar bastante, concentrei toda minha dor em coisas que qualquer hora poderia me matar. Mas de certa forma eu não queria partir, ainda sentia um vazio pelo Hermanni, não conseguia esquecer aqueles olhos verdes, aquela tarde em que passamos juntos. 

Hermanni tinha realmente se tornado um demônio em meus dias de solidão. Isso me perseguia, me tirava o sono, tinha pesadelos, ouvia sua voz nos cômodos da casa chamando pelo meu nome, isso tudo não era real. Eram peças sendo pregadas a meu coração que ainda era tomado pela ilusão de que ele poderia qualquer hora dessas aparecer em meu quarto. 

As vezes passava pela torre, e estava abandonada, a ruínas. Sentava em seu banco da calçada para observar sua janela, imaginar algum vulto que talvez fosse ele, mas não era. Ele tinha partido, as rosas tinham morrido. Só o que eu tinha dele era minha lembrança, a coisa mais linda que guardei de nós. 

Passo meu tempo desenhando quando posso, escrevo lembranças que já se foram, mas que talvez eu possa lê-las de novo como meus livros repetidos. Talvez eu possa tê-las como visões e ser real na minha cabeça. Eu me recusava a esquecer aquele homem. Ainda sentia meu corpo fraquejar pelos meus sentimentos por aquele ser. Suas sombras me acolhiam, e era nela que eu me sentia viva. 

Era final da tarde, eu como de costume sentei-me a sacada para olhar a neve e ler alguns trechos de livros que já li. Passei um tempo ali bebendo uns copos de whisky e tentando limpar minha mente de qualquer coisa. Por um segundo avistei alguém vestido de preto caminhar em direção a minha residência, não seria possível.. 

Congelei e cheguei mais perto da sacada para confirmar que não era efeito da bebida ou sei lá, eu poderia no caso estar delirando de vez, poderia ter ficado louca. Mas meus olhos o viam claramente, era o Hermanni..

Corri as escadarias até a porta e a abri em um pulo, a brisa gelada entrara em meus aposentos, não havia ninguém ali, o vento balançava meus cabelos, não consegui avistar ninguém, só neve, tudo estava branco, e não havia absolutamente ninguém nas minhas terras. Fiquei um tempo olhando o nada em minha frente com a gota de esperança de que ele poderia surgir do nada e me tomar nos braços de novo, mas não aconteceu, não ia acontecer.. 

Aquilo tudo era invenção da minha cabeça, eu estava enlouquecendo definitivamente..


Funeral dos CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora