Prólogo

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Lithium, don't want to lock me up inside

Lithium, don't want to forget how it feels without

(Lithium- Evanescence)

- 09, almoço! – O rouco e já conhecido timbre do meu algoz anunciou; sua mão bronzeada passando pela fresta da porta, longe o bastante para que a bandeja pudesse ser depositada no gélido chão à minha frente.

Os míseros segundos de contato com a luz que a pequena abertura trouxe para o cubículo onde eu estava me cegou por alguns instantes, trazendo uma sensação de ardência aos meus olhos desacostumados com a claridade. Pelas minhas contas, confirmadas pelos débeis riscos brancos na parede escura, eu já estava ali há noventa e cinco claustrofóbicos dias. O que significava que cinco dias mais e eu estaria livre, ou quase. A minha liberdade, meu contato com o mundo lá de fora, com a luz que agora me cegava, era cronometrada por ele.

Cem dias do lado de fora, cem dias no cubículo frio e solitário onde agora eu estava. Ele exercia controle total sobre mim; e eu, desprovida de lembranças, era dominada física e mentalmente por ele.

Na noite anterior, em uma das suas poucas aparições durante o dia, meu algoz havia me explicado que, a cada saída, a cada pequeno suspiro de liberdade que eu recebia, uma nova vida era criada para mim. Uma nova família, um novo emprego, um novo nome. E, de acordo com os nomes que se encontravam nas paredes, eu já havia sido Andressa, Marcela, Carolina, Paloma... havia tido tantas identidades, tantas vidas, que já nem mais fazia ideia de quem eu era. Só de ver tantos nomes rabiscados ali, eu me desesperava por não saber ao menos qual era o meu verdadeiro nome. Ele apenas me chamava de 09, e ali eu me reconhecia como tal. E também era ele, meu algoz, o único contato que eu tinha durante os cem dias que passava ali dentro.

Eu me sentia como um nada. Ali, naquele cativeiro, eu era um nada. Submetida aos caprichos dele, sem controle do tempo ou do espaço... completamente ao seu mercê. A comida era fria, insossa e mal me alimentava. A água me era restrita e um velho colchão me servia de cama. No mais, meus dias e noites reclusa eram dedicados a rabiscar de giz branco as paredes do local onde eu me alojava; rabiscos esses que me ajudavam a manter poucas, mas importantes informações sobre a minha vida. A cada volta para aquele lugar, eu gravava o nome na parede, para que eu não me esquecesse. Meu próprio nome devia estar ali, misturado a todos os outros, mais uma folha em branco no diário da minha vida.

Eu escrevia para não esquecer, e rezava para me lembrar.


Lembranças - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora