II. Flashback (Parte I)

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I remember the time
I knew what happiness was
Let the memory live again
(Memory- Cats)

Verão de 1981, Miguel Pereira

O calor que fazia no interior do Rio de Janeiro naquele domingo era digno da estação. O termômetro batia os famigerados quarenta graus e o lago estava tão cheio que parecia que todo mundo da cidade havia resolvido aproveitar o dia de verão no local. Martin, do alto dos seus dez anos, olhava, tímido, seus amigos pularem animados no lago, enquanto se refugiava do sol encostado em um troco de árvore.

- Olá? – Uma cabeleira ruiva e sardenta apareceu bem na sua frente, afastando sua visão dos seus amigos. – Por que você está aqui sozinho enquanto todos se divertem no lago?

- Er... eu... bem... Eu tenho alergia ao sol. – Respondeu com a primeira coisa que passou pela sua cabeça.

- Ué... – A menina colocou a mão na cintura, franzindo o cenho em confusão. – Mas você não é o Martin? Aquele menino loiro lá me disse seu nome. – Apontou para seu primo Miguel. – Ele também disse que você tem medo de pular no lago.

- Linguarudo! – Martin cruzou os braços, emburrado.

- O que você disse? – A ruiva se aproximou, tentando ouvir melhor o que o menino esquisito e que falava sussurrado dizia.

- Nada não.

- Então... você tem medo de pular no lago né? Eu fiz esse machucado no braço – Ela disse, apontando. - quando eu pulei no lago a primeira vez. Mas olha... já cicatrizou. Não tem porquê ter medo, a água tá tão gostosa, tá todo mundo se divertindo e você aí nessa sombra.

Martin sentiu vontade de rir ao ver a ruiva tagarelar sem parar. Eles haviam se conhecido há sei lá... uns três minutos, e ela já o tratava como se fossem íntimos. Ele também tinha que admitir que, apesar de louca e um pouco entrona demais pro seu gosto, a menina passava confiança e era o que ele precisava para deixar aquele medo bobo de lado e pular no lago para brincar com seus amigos. Estufando o peito, chegou perto da garota e falou:

- Você pula, eu pulo.

- O quê? – A pequena perguntou, confusa.

- Se você pular no lago, eu pulo com você.

- Sério? – Os olhos azuis brilharam em êxtase, fazendo o pequeno Martin ficar perdido naquela imensidão por alguns segundos, o que certamente lhe rendeu uma bela cara de pamonha. – Palavra de escoteiro?

- Palavra de escoteiro.

Então Martin deu a mão à garota, indo em direção aos seus amigos, que brincavam animados dentro da água. Ao se aproximarem da beirada, contaram juntos até três e pularam no lago, que há poucos instantes causava medo no menino. Agora não mais. Ele havia perdido seu medo graças à ruivinha sardenta e bem... até que ele havia gostado um pouco dela. Tudo bem, tudo bem! Ele havia gostado muito dela. Dela e dos seus olhos azuis. Aqueles olhos não eram comuns, parecia que tinham caído do céu. Ou melhor, eram como um pedacinho do céu. E, dali em diante, foi esse o apelido que Martin colocou na tal ruiva invocada, seu pedacinho do céu.

Lembranças - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora