Inverno de 1989, Miguel Pereira
Now I've had the time of my life
No, I've never felt like this before
Yes I swear it's the truth
And I owe it all to you
(The Time Of My Life- Dirty Dancing)Os primeiros acordes de The Time Of My Life saíam da televisão do pequeno quarto onde o casal estava. Baby e Johnny iniciavam a famosa dança do filme Dirty Dancing, enquanto a ruiva, ajoelhada na grande cama do cômodo, tentava desengonçadamente imitar os passos do casal principal, frente aos olhos semi atentos do namorado, que bocejava ao assistir ao filme que, pelas contas do rapaz, já havia visto cinco vezes só naquela semana. Ele tinha quase certeza que se rebobinassem a fita mais uma vez, ela entraria em colapso.
- Ai, Ai... como o Patrick Swayze consegue ser tão maravilhoso? - A garota disse, aproveitando para se jogar na cama ao lado do namorado. - Vi no jornal que o próximo filme dele vai lançar no final do ano que vem. Nós vamos no cinema assistir, não vamos?
- Amor, você nunca se cansa desse cara? Sério... esse filme aí não é aquele que estão comentando que vai ter muito sangue, tiro e tudo mais? - Martin olhou a namorada com desconfiança.
- E me diz quando é que eu perco um bom filme regado à sangue? Você que é o medroso do casal. Aliás... vermelho é a minha cor favorita. - A ruiva respondeu, dando uma piscadela.
- Às vezes você age como uma psicopata. Já te falaram isso?
- Você... umas cinquenta vezes só essa semana. Talvez esteja certo e eu seja uma psicopata. Não, não! Melhor. Talvez eu seja uma psicopata vampira e vim aqui sugar seu sangue... - Dito isto, a garota voou para o pescoço do namorado, com o intento de mordiscá-lo, gargalhando alto no processo ao ver a cara de assustado que ele fez. - Sério, Martin? Se depender de você, a gente só vai assistir os filmes de comédia da Molly Ringwald.
- Nem vem! Clube dos cinco é o top 1 da minha lista. Aquela cena do final do filme, quem não deu um soco no ar junto com o John Bender? Três sílabas: É-PI-CO.
- Você não precisa ter um ataque de fangirling na minha frente, Martin. Não de novo. - A ruiva beijou o canto da boca do garoto, achando graça naquela discussão boba que os dois estavam tendo. - Eu estava lá contigo e tive que te tirar à força do cinema, senão você passaria o dia todo na sala cantarolando don't you forget about me. Não sei como você não se levantou do assento e foi beijar o telão quando a senhorita beleza americana apareceu na tela. - A garota rolou os olhos ao receber um sussurrado "O lanterninha me impediu!" em resposta, seguido do entusiasmo que tomava conta do namorado com a mínima citação ao filme.
- Simple Minds são os melhores. O que são os Rolling Stones do lado deles? Aquele magricela do Jagger mais grita do que canta. Jim Kerr é simplesmente O REI. Ei... Vamos fazer um trato então. Você não fala nada da minha Ringwald ou desse primor do cinema chamado o clube dos cinco, e eu não falo do seu Swayze e do filme de lambada.
- Filme de...? Ok. Eu não falo da sua água de salsicha sem graça e você não fala do meu Patrick.
- Você sabe que podemos ficar aqui discutindo o dia todo né? E também sabe que tem coisas muito mais proveitosas que podemos fazer nesse quarto. - Martin tentou dar o seu melhor sorriso sedutor, recebendo uma cara descrente em resposta. - Ou não, pelo visto. - O garoto passou o braço pelas costas da garota, aconchegando-a em seus braços. Pelo visto iriam conversar noite afora.- Vamos falar então de como nós dois seremos dois velhinhos lindos, fofos e que não seremos fofoqueiros que nem a Dona Lúcia do quinto andar.
- Que horror, Martin! A Dona Lúcia não é fofoqueira, ela só é...
- Intrometida, mexeriqueira... - Martin passou a enumerar todas as "qualidades" da vizinha nos dedos. - Enxerida, faladeira, fuxiqueira...
- Chega, Aurélio! Já entendi. A Dona Lúcia pode ser por vezes incômoda, mas tenho certeza que ela não faz por mal.
- Com certeza seu pai também não fez por mal quando bateu na minha cabeça tão forte com aquela frigideira depois que ela contou do nosso amasso nas escadas, que eu vi a luz no fim do túnel e o Chuck Norris me chamando.
- Esquece a Dona Lúcia, coitada, e fale mais sobre nossas aventuras como dois velhinhos lindos e o quê mesmo?
- Fofos. Velhinhos lindos, fofos e não fofoqueiros como a Dona... ok, não seremos fofoqueiros e ponto. Já imaginou nossos cabelos brancos, nós dois sentados naquelas cadeiras de balanço de madeira que rangem mais que minha Tia Joana quando tá com frio, nossa mesa cheia com nossos cinco filhos e nossas dezenas de netos e...
- Cinco filhos, Martin? Sério? - A ruiva olhou em descrença pro deslumbrado namorado. - Você nos imagina cuidando de cinco crianças, eu e você? Me surpreenderia se conseguíssemos cuidar de um. E quem te disse que serei uma vovó de cabelo branco? Eu vou pintar o meu do azul mais forte que tiver na loja, serei a vovó rockstar da região.
- Nosso apetite voraz é capaz disso. - Martin deu uma piscadela sexy para a namorada enquanto dizia isso, fazendo com que ela não conseguisse segurar a risada com a segunda tentativa falha de sedução do garoto. - Azul, amor? Sério mesmo? Você quer se transformar na próxima Baby do Brasil?
- O cabelo do Baby do Brasil é roxo, idiota. - A ruiva deu um tapa no braço do namorado pela provocação.
- Que seja! Vossa senhoria me permite seguir com minha linha de pensamento?
- À vontade. - Ela respondeu, se aconchegando ainda mais no peito do garoto.
- Você me conhece. Eu certamente farei muitas merdas durante a vida, porque bem... eu sou eu. Sou assim, desastrado, péssimo com atividade manual e um pouco míope e ainda não entendi o porquê de você ainda estar comigo durante todo esse tempo e ainda aturar meu jeito canceriano de ser. Mas espero que continuemos como somos mesmo com oitenta anos, mesmo que quando chegarmos nessa idade, você não lembre nem do meu nome pra poder gritar comigo.
Lágrimas teimosas caíam pelo rosto da ariana, que lutava em escondê-las, pois odiava chorar, mesmo que a fala do namorado fosse tão linda ao ponto dela quase se considerar uma canceriana momentânea.
- Aí que você se engana, meu caro. - A ruiva se levantou por um instante, ainda próxima ao namorado, e se sentou. - Eu posso estar bem velhinha e até caduca. Eu posso até me esquecer de qualquer pessoa, até do meu nome. Mas eu nunca, sob hipótese alguma, me esqueceria de você. - Disse, recebendo um sorriso encantador do namorado e vendo as grossas lágrimas escorrerem pela face do verdadeiro canceriano. - Agora senta, que eu quero te mostrar uma coisa muito legal.
- É comida? - Sério que ele não tinha nada em Touro no mapa astral dele?
- Quase. - A garota pegou a sacola de papel que havia deixado na cômoda e a colocou do seu lado. Abrindo-a, tirou uma pequena rosquinha com cobertura de morango -a preferida de Martin-, enquanto tentava se ajoelhar na cama. - Martin Campos, você aceita se casar comigo?
Os segundos que levaram até a resposta de Martin quase fizeram com que o coração da ruiva saísse pela boca. Ele havia parado de chorar - e o sol em áries da garota agradecia-, mas suas covinhas, aquelas que a fizeram se apaixonar perdidamente por aquele garoto, estavam ali, bem do lado do sorriso que ela tanto amava.
- É claro que eu aceito passar o resto da minha vida com a ruiva mais esquentada e mais linda da face da terra. - Martin a abraçou e a beijou delicadamente nos lábios. - Eu te amo, meu pedaço de céu.
- Eu te amo, Martin.
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Lembranças - HIATUS
Bí ẩn / Giật gânDizem que o maior tesouro são as lembranças. É por isso que o Dr. Zhang trabalha há anos em um soro do esquecimento. Se bem sucedido, o destino da cobaia 09 tomará o mesmo rumo que suas memórias: completa escuridão. Obra registrada no SafeCreative...