Relato: Noite do blackout

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Eu havia entrado recentemente na faculdade de Direito e ainda não estava trabalhando, então sempre saía à noite, à pé, com meus amigos, para tomarmos umas cervejas e conversar.
Costumava sempre voltar para casa após a meia-noite. Numa noite de agosto ou setembro, não lembro ao certo, eu saí e não encontrei meus amigos na lanchonete que íamos costumeiramente, então, após uma garoa forte, resolvi voltar para casa.

Estava retornando para minha casa por uma das avenidas principais da cidade, sendo esta uma via bem arborizada, com várias construções um pouco antigas, da primeira metade do século XX, época da fundação do município, na qual se localizam, à distância de uma quadra um do outro, em lados opostos da via, a faculdade de Direito e o Colégio Rui Barbosa, um prédio grande, que possuia naquela época um grande gramado à sua frente, com grandes árvores e um muro baixo cercando.

Quando passava pela frente desta escola, encontrei quase na esquina este meu amigo Zé, o qual mencionei anteriormente, o qual retornava da casa de sua então namorada.
Como estávamos sem sono, resolvemos ficar por ali conversando e nos sentamos no muro do colégio, em frente a um poste de energia elétrica, de frente para a avenida.

Era perto de meia-noite e a cidade já estava bem vazia, os ônibus que transportavam estudantes de outras cidades, que vinham para as faculdades da cidade já haviam ido embora e quase não haviam carros ou pessoas transitando pela avenida ou vias adjacentes.

É aí que começa a parte fantástica e horripilante da história. Subitamente, entretidos na nossa conversa, percebemos que as luzes dos postes estavam se apagando avenida acima, dos dois lados da via, como se um "blackout" viesse "caminhando" em nossa direção. Olhamos para a outra direção e vimos que o mesmo acontecia, como se o "apagão" viesse dos dois lados, como se a escuridão quisesse colidir com a escuridão.

Terminou por ficarem acesas somente a lâmpada do poste situado à nossa frente e a do poste logo adiante, além de uma lâmpada que ficou piscando intermitentemente em um poste do outro lado da avenida.

O resto era uma escuridão macabra que cobria toda a redondeza. Percebemos que toda aquela parte da cidade estava às escuras. Como voltar para casa no escuro não estava nos nossos planos, resolvemos ficar ali até que a energia elétrica retornasse.

Não havia mais ninguém na rua e nós ficamos por mais algum tempo conversando, indagando o que poderia ter dado causa àquela apagão repentino, se fora um acidente, a chuva, etc.

Foi quando percebemos que havia alguém vindo em nossa direção, saindo das trevas que se instalavam nas quadras logo abaixo de onde nós estávamos. No início víamos apenas o vulto de uma pessoa caminhando devagar na escuridão, do mesmo lado da via. Começamos a delinear, sem muita atenção e sem comunicarmo-nos sobre a pessoa que vinha se aproximando.

Quando o sujeito foi chegando perto da esquina do quarteirão anterior, a mais ou menos uns trinta metros de nós, estando quase que para atravessar a rua que cruza a avenida, pudemos perceber que era um homem de estatura mediana, todo de preto; calças, sapatos e uma camiseta tipo regata; um pouco calvo, tesa grande e que olhava fixamente em nossa direção, um olhar parado, meio que em transe.

Meu amigo Zé, em tom de ironia, disse-me em tom baixo: "Só falta ser um viado ou um viciado vindo encher o nosso saco." Eu lhe disse que então nem olhasse, deixasse o tipo passar batido.

O mais estranho é que o sujeito andava devagar, parecendo que andava, andava e não chegava, e pelo que me lembro, continuava com aquele olhar estático, que a gente percebia olhando assim de "esgueiro" para não dar "trela" para o tal, até que o mesmo chegou perto da gente.

Foi quando aconteceu uma das coisas mais estranhas e inexplicáveis que vi até hoje, tamanha foi a sincronicidade da coisa.
Estava o sujeito vindo pela calçada e ao passar entre nós e o poste que estava à nossa frente, a lâmpada apagou ao mesmo tempo em que este soltou um grito estridente: "Aaahhhh, trevas, eu quero trevas nesta cidade hoje..." e continuou andando em frente, com o olhar fixo adiante, e continuou resmungando umas coisas desconexas, enquanto andava sem olhar para trás.

Não nego que levei um baita susto, e no primeiro momento, eu e o Zé também ficamos confusos, olhando um para o outro.
Era uma sensação estranha. O homem deu aquele grito mas nem olhou para a gente, continuou andando, ignorando a nossa presença (penso que qualquer um, mesmo sendo uma pessoa meio abusada não iria dar um susto em estranhos durante um "apagão" tarde da noite, sem ter receio de acabar arrumando uma grande confusão). Isso sem contar o fato mais estranho, a luz do poste ter apagado no mesmo momento em que o cara gritou.

Uma coisa que me lembro é que eu usava um crucifixo pequeno no pescoço, por debaixo da camiseta, e que na hora do grito, instintivamente eu levei a mão direita sobre ele, como uma reação de defesa a um mal inesperado.

Enquanto o sujeito, naquele transe, ia andando e dizendo coisas do tipo "trevas nesta cidade, eu quero trevas, ...", o Zé me disse, em tom baixo: "Qual é a deste louco dos infernos, eu vou dar umas porradas nele..."

Eu também tinha ficado p... de susto/raiva/se-lá-mais-o-quê com o que acontecera, porém, aquilo era por demais estranho, e para ter feito aquilo, ou o cara era muito corajoso para pregar uma peça em estranhos, aproveitando uma coincidência, ou este representava algo de muito estranho.

E o homem caminhava em direção do outro poste que mantinha a luz acesa. Eu disse ao meu amigo: "Olha só cara... na boa, pode ser o que for esta criatura aí, um doido, um macumbeiro chapado, o gramulhão, o que seja, se ele passar por baixo do outro poste e apagar a luz, é melhor a gente ficar esperto que vai ficar uma escuridão do cão.
Então eu disse: "se o cara vier em nossa direção a gente corre, vai que está armado!..."

Nisso, o estranho chegou debaixo do outro poste de energia elétrica, mas ele não apagou. Ele virou-se em nossa direção e continuou a falar suas esquisitices, ficou dizendo uns troços que não entendi por cerca de dois minutos, virou-se novamente e foi andando.

Acompanhamos como olhar o seu trajeto sempre em frente enquanto dissertávamos sobre quem seria tal criatura; um louco ou uma destas criaturas sobrenaturais como outras tantas, das quais eu já ouvira falar na cidade.

Quando o ser sumiu de nossa vista, ao longe, na escuridão, foi quase que instantâneo o retorno da energia elétrica em todos os arredores.

Prestei atenção em umas coisas que aconteceram durante este evento e depois dele que contribuíram para dar um toque mais estranho ao mesmo. Primeiro, logo que o tal sujeito foi sumindo ao longe, as luzes voltaram tal qual tinham se apagado, em seqüência, em sentido inverso; segundo, voltaram a passar pela via carros e pessoas a pé, inclusive um primo meu, sendo que durante todo o tempo em que aquele estranho homem esteve sob as nossas vistas não aconteceu, pois somente nós o vimos.

Voltei para casa e encontrei meu pai sentado na cozinha, fumando e olhando aquele tempo de chuva, pela janela da cozinha, ele perguntou porque eu demorara e eu disse que tinha ocorrido um "blackout" e ele disse que não o percebera nas circunvizinhanças de onde morávamos.
Eu lhe disse brincando que achava que tinha visto o "gramulhão naquele dia" e lhe contei a tal história, ele não deu muita atenção e eu fui dormir intrigado e assustado com tudo aquilo.

Eu e meu amigo nunca entendemos o que havia acontecido. Depois daquele acontecimento, nunca encontrei sequer alguém que fosse parecido com aquele "ser" que havíamos visto naquela noite. Morei lá por mais dois anos e sempre que retorno e passo em frente ao referido colégio, lembro-me desta história horripilante que jamais esquecerei, mesmo quando eu estiver velho.

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