Explosão

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   É dia 28 de dezembro e estou na sala ao pé da minha mãe, que está a descansar. Jack está no quarto a descansar, tem tido ataques de ansiedade e de asma, combinação perfeita!!
  A minha tia Karen apareceu de repente a discutir com Sam:
  - MEU MENINO! És meu filho e vens sim senhora almoçar a casa da Tia Gloria, quer queiras quer não!!!
  - Mãe, não! Quero estar com os primos, e ficar em casa!
  Sam sentou-se no sofá e continuou a jogar Naruto na playstation. A minha tia Karen pôs-se à frente, a minha mãe acordou com a barulheira:
  - Karen? O que é que foi?!
  - Olha Sam tu vais vestir-te já imediatamente ou ficas de castigo e voltamos para a cidade!
  Sam olhou para a mãe com raiva, a minha mãe fechou outra vez os olhos e continuou a dormir, embora bastante arreliada com a minha tia... Eu olhei para Sam, fizemos olhares cúmplices:
  - Tia, eu posso ir convosco.
  A minha tia assentiu com a cabeça e lá fui eu e Sam, os dois para casa da minha querida Tia Gloria, adoro-a, é tão simpática e amorosa... De cabelos pretos, curtos, e ondulados. Cara enrugada com a idade e olhos meigos. É das melhores pessoas que já conheci.
O almoço por si foi esquisito: a minha avó, sabendo-se que tinha tido um AVC e ainda tinha sequelas em efeito, ficou livre e até foi motivada a beber vinho. Quem é que dá vinho a alguém que tem problema de tensão alta e acidentes vasculares cerebrais?!
  Eu e Sam tentámos avisar, mas ninguém nos dava ouvidos... Fomos os dois para fora, fizemos uma sessão fotográfica de quedas. Eu fotografava-o a cair, tarde interessante podem adivinhar!
  Depois de passar uma hora a convencer a minha tia Karen a irmos para casa, eu e Sam vimos a minha mãe, triste, a falar com Jack, também angustiado. Entrámos, cumprimentámos as pessoas e depois decidimos ir os dois passear como sempre fizemos, quer fosse Jack e Sam, quer fosse eu e Sam, quer fossemos eu e Jack, tínhamos de dar aquele passeio das 7 da tarde. Estava nublado, parecia de manhã. Quando passávamos as traseiras da casa, que davam acesso à cozinha e às janelas da banca da loiça, parámos:
  - Sam, olha, as nossas mães estão agora zangadas, mas não há mal meu, nós os três não temos nada haver com isso nem temos de ter, elas depois resolvem-se, ok meu?
  Sam apenas assentia com a cabeça e dizia "sim" repetidamente. Ele tem 11 anos, sim, mas apesar de tudo entende perfeitamente estas situações.
Entrámos em casa. Limpámos os pés, como sempre fazemos e vimos a minha mãe a fazer um telefonema e a falar zangada com alguém.
- Karen, - pronto, só podia. A sério, porquê?! Daqui a uns anos farei com que as duas tenham vergonha de ter estragado este Natal com discussões estúpidas! - eu não quero saber se estava aí ou não. Vocês estão na CIDADE e nem me avisaram que a mãe estava assim. A MÃE NÃO É UM OBJETO QUE TE PERTENCE, é a nossa mãe!!!
Olhei para Jack, que estava no sofá a olhar para o chão de tijolo acinzentado, com um ar pensativo, embora bastante distante desta dimensão.
  A minha mãe desligou o telemóvel, zangada. São nove horas da noite, o meu tio está no quarto dele a descansar e Sam e Jack estão no sofá a olhar para nada.
  - Mãe... O que se passa?
  - Maggie... Olha, é a parva da minha irmã, que agora levou a Vó Rose para a cidade, porque ela teve um ataque epiléptico e outro AVC e só me avisaram agora, porque precisam do meu nome numa lista do hospital!!!
  Olhei preocupada para Sam. Ele continuava a olhar, fez-me um olhar cúmplice. Calei-me.
  - Sam!
  Olhámos para cima, o meu tio debruçava-se sobre a varanda interior num tom imperativo.
  - Pai? Olha a mãe...
  - Amanhã de manhã partimos, vamos ter com a tua mãe à cidade. Riley, comprei batatas e empadas, podes usar tudo para jantarem. Eu não como. Até já meninos, Riley.     E foi para o quarto de novo.
  Então o Sam não passa o ano connosco. Iei.
  Quando fomos dormir, estava um ambiente pesado, nós os três fomos dormir angustiados, a família está toda maluca, e Jasama nem tem culpa.
  No dia 29 acordámos bem cedinho, falámos imenso no quarto, e Sam entretanto teve de se vestir e tomar o pequeno-almoço muitíssimo rápido e assim Sam e o meu tio partiram às 9:00h da manhã. A minha mãe levantou-se às 11, falou com a minha tia Louise e com os filhos dela, meus primos, estiveram a falar da minha tia, até que ouvi algo que não me agradou muito:
  - Juro que desta a Karen não sai intacta.
  - Riley, - ouvi a voz da minha tia Gloria - a Karen não faz por mal. Ela adora-te e tu sabes disso.
  - Oh, tia Gloria!
  E começa um chorrilho de queixas e insultos... Bem, a minha tia era de facto . Ela já tinha feito intriga, humilhado as pessoas, tudo e mais alguma coisa. Mas fazer isto à minha mãe? Que mau. Fogo, que maldosa. Agora já não gosto mesmo dela. É que ela já tinha feito imensa porcaria que me prejudicou a mim e a Jack e até a Sam, mas separar assim a família e fazer assim intriga... Isso era demais.
Por acaso o dia até correu bem, dentro dos possíveis. Jack está a ter ataques de ansiedade e a minha mãe está trisíssima. Mas até passámos um bom dia, Jack descansou e viu TV, a minha mãe foi falando com os primos e tias sobre a minha tia Karen, e eu passeei, andei de baloiço enquanto ouvia música, joguei playstation, e à noite estivemos a ver séries depois do jantar a três, e vimos signos e a previsão dos signos para o ano que vem. Eu faço anos dia 10 de outubro, também é o aniversário do meu Naruto hehe, Jack faz anos dia 25 de outubro, escorpião credo, e a minha mãe faz dia 13 de março. Sam faz dia 25 de setembro. Pois bem, fizemos troça das previsões, rimo-nos imenso, e por volta das onze fomos para a cama. Mas eu tive um ataque de pânico. Não sei, foi algo inevitável. Comecei a sentir uma queda, mesmo que bem segura na cama, senti-me a levitar numa náusea, como se fosse morrer ou perder algo ou alguém. Senti como se um suporte, um pilar se fosse perder. Algo que me fosse essencial me fosse retirado. E isto deve ter sido pelas discussões, devo ter medo de perder Sam e Val e a família. Mas isso não acontece. Nunca. Mas mesmo assim não consegui manter a calma, já tinha tido ataques destes nas férias de verão, e a única solução foi ir ter com a minha mãe. Então lá fui eu. Acabámos por ver um filme com o Robbie Williams, morreu este ano, ele era tão bom ator!! As duas rimo-nos às gargalhadas, até adormecermos no sofá à frente da lareira.
  Dia 30 voltámos para a cidade, estava tudo triste, o meu pai triste, já não vejo Sam há dois dias e isso já é demasiado para o Natal!!!
  Passámos esses dias até benzinho, o ano novo, uma real porcaria, só eu e Jack o festejámos, eu e a minha mãe fomos a casa do meu primo Stan, eu fui muito simpática com a minha tia , não devia ter sido, enfim. Sam e eu estivemos juntos até que a minha tia se lembrou de se passar com ele por ele estar ao telemóvel e eles foram embora. Lembro-me perfeitamente de Sam a chamar-lhe baleia e vaca e eu ria-me discretamente enquanto o meu tio, mais afastado, ouvia tudo mas nada dizia. E lembro-me perfeitamente da imagem da cara de Sam, quando o elevador fechava, os cabelos loiros despenteados, a cara zangada, embora os olhos olhassem tristes e esperançosos para os meus. Sempre foi assim, eu Jack e Sam confiamos uns nos outros, e os nossos olhos servem de comunicação. Juro que quando estivermos com Sam outra vez (em janeiro ainda, claro.) não vou tratar a minha tia com tanta simpatia.
   Dia 6 de janeiro, já tinham começado as aulas, já havia dito a Kim a notícia da família e ela mais uma vez fez um grande drama:
  - A TUA FAMÍLIA?? A-a-a... A da mãe? Do Sam? A unida? Val? O CLÃ?!!!
  - Sim, Kim, essa. Whatever, resolve-se. Afinal de contas é uma luta de irmãs, nada de assim tão grave. 
  Kim suspirou de alívio mas ainda assim ficou preocupada. E a família é minha!!!
  O meu grande dilema, a grande pedra no sapato era outro: Bob.
  Dia 7 de janeiro, já não estou doente e vou treinar depois de ter faltado duas semanas. Entrei no court de ténis, Bob já estava a treinar outros atletas, e a anotar umas coisas. Fui ter com ele:
  - Hum, olá, Bob, eu...
  - Margaret?
  Olhou para mim arrogante, com desprezo, bolas!!! Eu falto tanto, e agora... Que estúpida meu! Mas de certeza que ele vai perceber:
  - Bob, eu faltei aos treinos porque a minha avó teve dois AVCs nestes dias e a minha tia também se está a passar dos carretos e a minha mãe não me podia trazer porque precisava de ir ao hospital ver a minha avó.
  Bob voltou o olhar para uns tenistas mais velhos, e anotou mais umas coisas. Frio, encarou-me, e com um tom inexpressivo:
  - E a tua avó teve AVCs nos dias 29,30,31 de dezembro e estes dias de janeiro?
  Eu fiquei chocada. Não, não me acredito... Eu... Não. Tudo está a ficar mal.
  - Não, Bob, mas eu - tinha a voz embargada.
  - Vai vestir-te. - a voz dele cortava-me os estômago. Fria, inexpressiva, sem sentimentos nenhuns.
  Fui vestir-me e falei com outro treinador, que quando soube o que se passara apenas fez uma cara realmente triste e disse:
  - Desculpa. Se soubesse não tinha perguntado.
  Treinei, mas saí mais cedo. As palavras de Bob ecoavam na minha cabeça. Eu adoro-o. Ou adorava. Ele era o melhor treinador que alguma vez tinha tido. Mas ficou diferente. Ficou parvo e insensivelmente estúpido. Saí mais cedo porque lágrimas começaram a ocupar os meus olhos, e eu não conseguia treinar porque estava a tremer. Saí, avisei outro treinador e ele deixou-me ir.
  Cheguei a casa. Jantei naquele ambiente estupidamente pesado sem a minha mãe, ela foi a uma reunião de família.
  Chegou por volta da meia-noite a chorar.
  E contou-me tudo:
  A minha tia queria pôr a minha avó num lar, o que seria matá-la por completo, sendo que ela não consegue ficar quieta durante duas horas pelo menos. A minha tia negou, chorou e fez uma cena, era em casa da minha tia Gloria, a cabra da minha EX- madrinha meteu-se e disse que as duas eram umas egoístas, e quando a minha tia saiu disparada de casa da minha tia a chorar, a minha mãe ia sugerir uma coisa só que a minha tia Gloria mandou-a calar e disse que ninguém daquela casa a queria ouvir. E ela foi-se embora. E eu não me queria acreditar naquilo. O clã... Val...
  E por fim, o JACKPOT DO DIA:
  - Eu nunca mais quero estar com aquela família outra vez.
  Ela foi falar com o meu irmão, e eu fiquei sozinha na sala. Mas eles estavam a falar doutra coisa e acho que ouvi o meu nome... Fui ouvir.
  Pela frincha da porta, via Jack pensativo e triste e ouvia a voz da minha mãe a falar.
  - Foi uma explosão. E não há reparos a fazer.
  E juro pela vida de Kim que se eu fosse esfaqueada com uma espada de samurai, continuaria a doer menos do que as palavras que perfuraram os meus ouvidos:
  - Val acabou. O trio acabou. Tudo acabou. A família acabou. Morreu tudo. E nunca mais vai voltar.
Ouvi um som agudo ensurdecedor dentro dos meus ouvidos. Fiquei zonza. A minha visão ficou turva.

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