Capítulo 6: A explicação

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  O jantar foi tranquilo apesar de nem eu nem o Guto falarmos nada. Ninguém me questionou sobre o meu "gemido" e a Katarina agia como se nada tivesse acontecido. Já eu sabia que apesar de fingir acreditar em mim o Guto sabia a verdade e que estava sofrendo muito com isso. Quando terminamos de comer a Katarina falou que lavaria a louça e eu insisti para arrumar tudo, mas ela falou que era para eu subir com a Jéssica para o quarto pois segundo ela "o meu dia havia sido muito corrido" e eu resolvi obedecer.

  Eu e a Jéssica não havíamos trocado se quer uma palavra depois da briga que eu tive com o Guto e eu sentia que devia uma explicação a ela, então nós subimos as escadas em silêncio e assim que entramos no quarto ela arquiou uma sombranselha como quem diz "pode começar a me contar" eu tranquei a porta e lhe mostrei meus braços.

  - Meu Deus Milly, o que houve? - ela falou baixo para que ninguém nos escutasse.

  Contei-lhe tudo que havia acontecido, sobre a voz, os pensamentos e as imagens que corriam em minha mente enquanto arrumavamos minha roupa no armário. E assim que terminei de lhe contar começou a sessão perguntas da qual já estava acustumada.

  - Faz quanto tempo que você se corta?
  - Me cortei a primeira vez quando tinha onze anos, durante meu sexto ano eletivo eu me cortava todos os dias e tenho marcas até hoje. Meu pai descobriu que eu me cortava e contratou um psiquiatra e um psicólogo para que eu me curasse mas mesmo assim foi muito difícil. Passei três anos sem me cortar, mas hoje eu não consegui resistir.
  - Mas porque você se cortava tanto quando fez onze anos?
  - Meu irmão mais velho o Philippe tinha uma namorada muito popular, quando eu fiz onze anos mudei de escolas fui estudar na mesma que a dela. Nós sempre nos demos muito bem até que... - comecei a chorar era muito difícil falar daquilo outra vez.
  - Se você não quiser falar não tem problema.
  - Eu preciso desabafar com alguém. O seu nome era Bianca e nós sempre nos demos muito bem então quando eu fui para essa escola eu achei que nós continuaria-mos sendo amigas mas quando eu falei isso para ela, ela simplesmente começou a rir e a me humilhar na frente de todos, procurei desesperada pelo Philippe só que quando o vi ele estava rindo de mim abraçado com a Bianca. Eu sentia um ódio mortal dele e é por isso que eu quase não converso com ele.
  - Nossa Milly. Não sei nem o que dizer.
  - Não precisa falar nada. Obrigada por me ajudar com o Gustavo.
  - Por nada. Se você quiser me contar o resto da história...
  - Tudo bem... Durante mais ou menos uma semana todos riam de mim e faziam pouco, muitos me humilhavam e pichavam coisas do tipo " cai fora sua pirralha" ou " Não sei como o Phill tem uma irmã como você". Eu não dormia a noite, fiquei dias sem comer, depois quando fui ao psicólogo ele falou que eu estava com princípio de depressão naquela época, eu chorava dia e noite vivia isolada do resto das pessoas até que eu li na internet que muitas pessoas se cortam para aliviar a dor emocional. No início comecei a me arranhar e depois comecei a usar a lâmina do meu apontador. A primeira vez que me cortei com a lâmina  já fazia alguns dias que me arranhava, eu estava na aula de história e alguém tacou uma bolinha de papel em mim escrito que eu era horrível, gorda e acima de tudo uma perfeita idiota. Já havia tirado a lâmina do meu apontador então pegueia dentro da minha bolsa e pedi licença ao professor para ir ao banheiro. Ele estava vazio então me ajoelhei ali mesmo na frente de um espelho e comecei a me cortar, nada muito profundo mas que deixaram uma poça de sangue em minha volta e minhas roupas vermelhas eu estava desespera nunca havia visto tanto sangue mas também não me importava pois aquilo me aliviava, mas derrepente entrou uma garota  que parecia ter minha idade no banheiro.
  - Nossa. Nem você estando daquele jeito eles não te deixaram em paz?
  - Na verdade eu nunca havia a visto. Ela usava um gorro vermelho escrito  Funk word ( eu odeio o mundo), seus cabelos eram pretos e seus olhos verdes. Assim que ela me viu se ajoelhou ao meu lado e começou a falar " ai meu Deus! Você está bem? O que aconteceu? " eu expliquei tudo a ela, alguma coisa me dizia que eu podia confiar e eu estava certa. Ela me emprestou uma muda de roupa que ela guardava no armarinho dela e me ajudou a limpar o banheiro antes que alguém visse. Seu nome era Clara e ela virou minha melhor amiga e acho que um dos motivos de eu ter me cortado  hoje foi o fato de ela não estar mais comigo - falei intensificando o choro.
  - Ei, não fica assim eu vou te ajudar, eu prometo. Mas primeiro você vai ter que contar para o Gustavo.
  - Engraçado, ela falou a mesma coisa. Ela era da mesma turma que o Guto e sabia que eu era irmã dele e foi graças a ela que eu e o Gustavo nos damos tão bem hoje.
  - Então conta para ele.
  - Não posso. Ele iria querer que eu voltasse a ir ao psicólogo e eu não quero ir.
  - Mas Millena, você precisa ir. Isso deve ser algum tipo de doença.
  - AutoMutilação. É mais comum que parece. E é como droga, você nunca perde totalmente a vontade de se cortar.
  - Milly, se você está doente você tem que se tratar.
  - Eu não vou me cortar de novo. Foi só uma recaída não vai acontecer novamente.
  - Mesmo assim você precisa contar ao Gustavo. Ele parecia preocupado com você aquela hora nas escadas.
  - Tudo bem eu conto para ele amanhã OK? Estou morrendo de sono.
  - Está bem. Mas se você não contar eu vou contar OK?
  - Feito... Mas qual é a sua cama?
  - A de baixo eu tenho medo de cair daí - ela rio com vergonha.
  - Tudo bem eu durmo em cima.

  Trocamos de roupa e fomos dormir.
                        ***

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