Capítulo 1

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Leona Prada

Cresci sendo humilhada, não pelos meus pais, mas por minha tia. Meu pai nem conheci, minha mãe morreu quando eu tinha apenas seis anos de idade. Tudo poderia ter sido diferente, mas minha mãe se entregou ao mundo das drogas e acabou em uma vala qualquer.

Lembro como se fosse hoje quando o policial chegou do meu lado, enquanto eu sacudia minha mãe em convulsão, tentando desesperadamente ajudá-la. Ele chegou e olhou com nojo para ela e para mim. Eu peguei na calça dele e ele me chutou, eu caí e comecei a chorar. Ele pegou o telefone e chamou alguém, aguardou a chegada da mulher que me levou.

Antes que eu saísse ouvi a conversa que teve com o outro policial.

— O que a gente faz? Chama a ambulância? — perguntou o mais novo.

— Essa ai já está morta, deixa ela ai, assim que ela der o último suspiro, a gente manda alguém pegá-la pra enterrar —respondeu o mais velho chutando o estômago de minha mãe.

— E a menina? — perguntou o mais novo.

— Essa ai vai ser outra drogada infeliz igual à mãe, vou chamar a assistente social, pelo menos no orfanato, não vai me dar problemas.

Enquanto a mulher me levava, olhei minha mãe no chão sangrando pela última vez e senti meu coração parar de dor. Deixei as lágrimas escorrerem por meu rosto. Ali eu sabia que estaria sozinha para o resto da vida.

Depois de dois dias em um abrigo, fui levada para a casa do irmão de minha mãe, Caetano que era casado com Inês e tinha dois filhos com ela, Fábio e Ulisses, ambos mais velhos que eu.

Quando entrei na casa, ainda assustada sem falar, percebi o olhar de ódio vindo de minha tia e de desdém de meus primos. Fui colocada para dormir por meu tio, que tentou se comunicar em vão, os acontecimentos tinham feito com que eu não conseguisse falar, por mais que eu tentasse, nenhum som saía de minha boca.

Meu tio trouxe roupas e calçados para mim e toda noite ouvia minha tia brigando com ele, me chamando de estorvo, dizia que não era empregada dele para ficar cuidando de uma criança inútil como eu, que nem falava.

Fábio tinha oito anos e era muito mais carinhoso, pelo menos não me xingava ou me humilhava, já Ulisses tinha dez anos e adorava caçoar de mim, me chamando de mendiga e molamba.

O tempo foi passando, entrei na escola e mesmo sem falar eu era muito inteligente e aprendia rapidamente, minha professora fazia tudo para que eu conseguisse me comunicar, mas eu já não me queria comunicar com ninguém, a não ser com Fábio que conseguia conversar sem ninguém saber.

Conversávamos fora de casa, ele conseguia me deixar bem e a vontade, mas em casa a gente mantinha distância para o bem dele.

Quando comecei a quinta série, com doze anos, já estava diferente, pouco falava, mas já me comunicava, sempre fui muito mais de pensar do que falar e agora isso não me impedia de me comunicar com quem quer que fosse, evitando fazer amizades.

Frequentava o ginásio no período da manhã e a tarde arrumava a casa, enquanto minha tia dormia um pouco. Não me revoltava em limpar a casa, afinal eu tinha que ajudar de alguma maneira e até preferia que ela dormisse, assim podia conversar comigo mesma e o mais importante ouvir somente a voz dos meus pensamentos, pois quando ela estava acordada, me xingava o tempo todo. Fazia questão de dizer que tudo que eu fazia era merda, que não limpava nada direito, quando estava de mau humor ela tacava as coisas em mim, me chutava e já chegou a me colocar de castigo de joelho no milho dizendo cem vezes em voz alta "sou uma imprestável e mereço castigo".

Uma bandida em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora