Capítulo 1

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— Você já preencheu o seu formulário de inscrição?

Levantei os olhos do meu livro, e olhei para a garota de cabelos cacheados que me encarava ansiosa.

— Brooklyn, você tem noção de qual é a...

— A probabilidade de ser sorteada — Minha mãe completou — Alice, minha filha, eu não entendo desse negócio de matemática, estatística e probabilidade, mas tenho que certeza de que um pouco de fé ajuda.

— Mãe, a chance...

— Do seu nome sair é de aproximadamente 0,00745%, você calculou — Mamãe me olhou com cara de tédio, cansada — Nós já sabemos de tudo isso querida.

— E mesmo assim vocês continuam me perguntando a cada 10 minutos se eu já preenchi o formulário da Seleção.

— Não precisamos nem dizer o porquê, não é Alice? O príncipe Osten — Brooklyn suspirou — surpreendeu todo mundo com a decisão de ter sua própria Seleção. É uma oportunidade...

— Única — A senhora Lopez, mãe de Brooklyn e amiga da minha mãe, completou. O que deu nelas para ficarem fazendo isso? Que coisa mais irritante. — Isso mesmo querida.

Revirei os olhos. — Olhem, só porque Sua Alteza Real O Príncipe "Destruidor de Corações", quer dizer, o Príncipe Osten resolveu do nada ter uma Seleção, não significa que eu tenha que participar.

— Alice, é injusto você dar importância a esse apelido dele que saiu nas revistas de fofoca.

— Injusto? — rebati — Você acha injusto o que ele fez com as garotas da União Paraguai-Argentina? Com as nova-asiáticas? As francesas? — Encarei ela com meus olhos fervendo — Elas vêm visitar o palácio, ele finge que está todo apaixonado, promete o mundo a elas, passa um tempo junto, e depois as descarta com suas desilusões amorosas. Quase toda revista tem um anexo da "coleção" de conquistas dele.

O semblante de Brooklyn esmoreceu. — Você não o conhece.

— Mas, certamente, você pensa que o conhece, não é mesmo? — ri com ironia — Brooklyn, aparições esporádicas no Jornal Oficial não dão extrato de personalidade.

— Alice — Mamãe advertiu, mas meu limite já havia sido ultrapassado.

— Não, já chega. — levantei num salto da poltrona. — Eu vou para o meu quarto. — Caminhei até o pé da escada, depois me virei e encarei as três. — NÃO vou ser mais um nome naquele anexo. Mamãe — olhei para ela — você deveria me entender muito bem, eu vi o quanto a senhora sofreu quando o papai, argh, o Landon nos abandonou. Chorava todas as noites no canto do quarto, pensando que eu estava dormindo. Perdeu a capacidade de sorrir, de ser feliz, por meses — Lágrimas encheram meus olhos, mas me recusei a deixá-las cair. Continuei com a voz tremendo — A senhora viu o quanto eu sofri, meu deus, mãe, eu parei de falar por dois anos! Eu me trancava no banheiro e chorava com o chuveiro ligado para você não ver e ficar pior do que já estava! Então, não, eu não vou correr o risco de viver isso de novo. Não tenho mais fé em homens, sejam eles príncipes ou mendigos.

— Mas o seu tio.... — Minha mãe ainda tentava argumentar, isso só podia ser piada.

— Para, mamãe! Para! — Levantei a voz — Você sabe que o tio Levi é a única exceção. Ele e a tia Abigail nos deixam morar aqui desde que nós perdemos a nossa casa para as dívidas que o Landon deixou. Além dele, não mais exceções.

Sentindo que ia chorar, subi correndo as escadas e bati a porta do quarto quando entrei. Ali, sozinha, finalmente deixei as lágrimas amargas caírem, mesmo já tendo prometido mil vezes não chorar mais por aquele homem que um dia chamei de pai.

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Meu sonho, na verdade, não era um sonho. Era uma lembrança. Eu, cinco anos de idade, acordei numa manhã de Domingo bem cedo. Saí do meu quarto e fui para a cozinha pegar uma fruta, pois estava com fome. E lá, colado com fita adesiva em cima da mesa de jantar, estava um bilhete de apenas quatro palavras escritas numa folha de caderno inteira, ao lado de uma pilha de outros papéis. Eu ainda não sabia ler, mas logo reconheci a primeira palavra como o nome da minha mãe e a última como o nome do meu pai. Curiosa, voltei até o quarto deles.

— Mamãe, vem vê. Papai saiu mais cedo.

Minha mãe me seguiu em meio a resmungos de sono, mas se calou tão logo avistou o bilhete.

— Mamãe, aí diz quando ele volta?

Despertei num susto.

Foi naquele dia que vi minha mãe desmaiar pela primeira vez. Só me lembro de que eu correra porta afora aterrorizada, chorando e gritando por ajuda, depois disso, tudo daquela catástrofe é um borrão na minha cabeça. No entanto, ainda me recordo claramente de meus tios levando para casa uma garotinha destruída prometendo a si mesma nunca mais acreditar nos homens. O tio Levi lutou bravamente para se tornar uma exceção.

Quanto ao bilhete, Landon foi direto:

Sarah

Fui embora, Landon.

E o que eram os papéis que estavam ao lado dessa maravilha da literatura? As incontáveis dívidas de hipoteca e jogatina atrasadas. Não teve outra, até o final daquela semana, nós não tínhamos mais casa.

Foi nessa hora que parei de falar. A tristeza passou a me consumir pouco a pouco, as lágrimas começaram a cair sem eu nem mesmo estar chorando. Eu ficava tonta, sentia raiva, remorso e culpa por não ter sido uma filha boa o bastante para segurar meu pai em casa. Cada dia era pior do que o outro.

E tudo foi dessa forma até que aprendi a ler, dois anos depois.

Eu mergulhei nos contos de fadas e nos pequenos romances, me permitindo fantasiar sobre como minha vida poderia ser. Na verdade, faço isso até hoje, busco no irreal a realização dos meus desejos mais secretos. Um marido que me ame, filhos. E apesar do meu cérebro não admitir tais propensões, meu coração mantém uma pequena chama de esperança acesa.

Só que essa chama definitivamente não está direcionada ao príncipe Osten Schreave. A sua fama de deixar corações arrasados por onde passa é a síntese de tudo o que fujo nessa minha fantasia ridícula de me casar.

Pensar na minha mãe não ajudava a reafirmar isso. Ela trabalha muito na casa dos meus tios, como se tivesse uma dívida eterna com eles. O que não é verdade, já que os próprios só faltam amarrá-la para que ela pare de fazer isso. Acho, acho não, tenho certeza que ela quer que eu tenha uma vida melhor, e acabou vendo na Seleção a minha chance, mesmo essa só sendo de 0,00745%. Não quero e nem posso dar mais preocupação e tristeza para ela.

Foi com esse pensamento que levantei da cama, peguei a caneta e preenchi todo o formulário da Seleção. Como uma menina muito estudiosa, para não dizer nerd, fiquei decepcionada com as perguntas simples. Apenas algumas informações pessoais. Olhos azuis, cabelos loiros... De qualquer forma, o que mais gostei foi poder falar do meu amor pelo balé.

Depois de revisar tudo, voltei para a cama e adormeci de novo. Dessa vez, porém, as lembranças tenebrosas não vieram.

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Minha mãe só não estava dando pulinhos de alegria no meio da rua porque não achava que isso fosse apropriado para a idade dela. Estávamos voltando do Departamento de Serviços Provinciais, depois de enfrentar uma fila gigante de garotas histéricas e depois de eu ter passado pelo temeroso momento da foto. Só Deus sabe se ela ficou boa. Mas porque eu devo me preocupar? Ela só vai aparecer na televisão se eu for selecionada, coisa que com certeza não vai acontecer.

— É só ter fé filha, coisas boas acontecem com quem merece. — Minha mãe disse, como se estivesse lendo meus pensamentos negativos.

Eu poderia ter dito a ela que não queria ser selecionada, não queria o príncipe Osten, não queria ter fé. Mas permaneci calada. Ela estava feliz, e isso era tudo o que eu queria no momento.

A PrincesaOnde histórias criam vida. Descubra agora