Parte 2

602 35 11
                                    

Parte 2

No céu a luz fosca da madrugada se confundia com a gaze cinzenta da noite. Alguns dias se tinham passado. Fui com os meus pais à cidade em busca de alimentos e produtos de higiene para o resto do mês, pois em Desejo, apenas havia uma pequena mercearia local onde eu estava proibída de ir. Dirigi-me aos diferentes corredores, em busca dos pacotes de arroz que minha mãe tinha pedido. Saltitando, tentava alcançar os pacotes de arroz. Um homem sorriu e aproximou-se de mim com uma escada.

- Será que posso ajudar, donzela? – sorriu o velho delicadamente.

Cedi passagem e observei o velho subir as escadas em busca dos pacotes de arroz. O seu rosto tinha traços marcantes e os seus olhos eram azuis porcelana. As suas mãos eram grossas e pude sentir o seu toque àspero quando as nossas mãos se roçaram na entrega do arroz.

- Muito Obrigado! – sorri.

Levei o arroz junto do carrinho de compras e fui obrigada a ir ao lado de minha mãe enquanto meu pai dava uma palavrinha ao velho que à minutos atrás me fez um favor gentil. A expressão do homem parecia-me nervosa e tensa e a de meu pai estava reprimida. O que se passaria? Desde há muito tempo que os meus pais me pareciam esconder algo, pois me protegiam demais. As suas atitudes andavam estranhas, mas não percebia o porquê. Saímos do estabelecimento e paramos junto de um café. Após lancharmos, entramos no carro. Passeamos entre as ruas em direção a casa. A minha cabeça ía de fora da janela, estava de olhos fechados, sentindo a brisa na face e os meus doirados cabelos a esvoaçar. Sentia-me leve, livre e um pequeno sorriso era saliente nos meus finos lábios carnudos. 

Após a chegada, corri livremente para casa, trocando as minhas roupas e cortando uma bela rosa do meu jardim. Coloquei-a no cabelo.

- Onde pensas que vais? – indagou o pai.

- Vou passear um pouco pelo bosque.

- Não te afastes muito – suplicou minha mãe.

Limitei-me a acenar e corri para o bosque. Peguei num ramo partido que estava no chão e sentei-me numa pedra a desenhar no chão. O homem do estabelecimento da cidade não saia da minha cabeça. O seu rosto pálido e sensível e o facto de ele ter ficado tão tenso e nervoso quando meu pai falou com ele. Afinal o que meu pai lhe teria dito? Que teria feito o pobre homem? Era estranho pensar que o meu pai era um vilão disposto a fazer mal a alguém. Não encaixava na história. Matt, meu pai, de olhos azuis e cabelo levemente alisado. Seu rosto doce e ingénuo que conquistou o coração de minha mãe no primeiro segundo. Era impossível ele querer o mal de alguém. A verdade é que, ultimamente, metiam-se demais nas minhas decisões e controlavam as minhas entradas e saídas.

O céu enchia-se de um laranja avermelhado, como se ali tivesse tido lugar uma batalha sangrenta. O sol, cansado de um dia intenso, descansaria calmamente sobre a linha do horizonte, cedendo lugar à noite. Eu maravilha-me e os meus olhos enchiam-se de brilho cada vez que observava algo parecido com aquilo.

- Observando o pôr do sol? – uma voz soou.

Voltei-me assustada pela interrupção e avistei o rapaz jovial que tinha conhecido á alguns dias atrás.

- Vigiando-me? – perguntei friamente.

- Esqueceste que o bosque é livre e que quem quiser pode passear por aqui – gargalhou.

- Eu gosto do por do sol – admiti.

- Eu também gosto.

O rapaz sentou-se junto de mim e concentrou-se no fundo do horizonte. Parecia focado naquela imagem interminável como alguém que fazia um esforço para resolver um quebra cabeças.

- Na última vez, não me chegaste a dizer o teu nome – disse olhando para ele.

- Harry! Nome bonito,combina comigo, certo? – brincou.

- Vocês rapazes são todos idiotas.

- Vocês raparigas não ficam nada atrás...

- Nem todas as raparigas são assim.

- Nem todos os rapazes são idiotas como dizes.

- Prova-me – desafiei-o.

- Está bem. Que tal amanhã irmos dar um passeio pelo bosque? – perguntou.

- Para que hora fica marcada?

- Oito e meia. Está bom para ti, donzela?

- Não me chames isso. Cá estarei.

Harry atirou-me um beijo com a mão e desapareceu por entre os arbustos. Envergonha, desci o carreiro de terra. As borboletas voavam energeticamente fazendo desenhos no ar e os esquilos roiam as bolotas em cima das àrvores. As flores fechavam os seus belos botões calmamente e um vento gelado fazia-se sentir. A noite chegara.

« O lado obscuro da Lua »Onde histórias criam vida. Descubra agora