Parte 9

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Parte 9

O ar possuía um perfume exótico e delirante. Os meus olhos abriram com dificuldade, meu corpo esta dorido. Harry parecia um anjo dormindo. Os seus cachos em volta da sua testa e a sua respiração pura e delicada do meu lado faziam-me focar a minha atenção nele. Dei por mim sorrindo e lembrando da noite anterior. Vesti a roupa que tinha e saí da cabana, tentando entrar em casa antes que dessem pela minha falta. Tarde de mais. Ao abrir a porta principal com a chave de reserva situada debaixo do tapete, ouvi meus pais discutirem.

- É perigoso para ela, mas ela não quererá saír daqui, Matt – disse minha mãe.

- Ela não tem quereres, ela é nossa filha e é nosso dever protegê-la – disse meu pai autoritário.

Eu ouvi-a a conversa com atenção e com uma pitada de curiosidade.

- Proteger-me do quê? – olhei-os seriamente.

- Este sítio não é mais seguro como pensavamos – interveio minha mãe.

- Seguro do quê? Sempre fomos felizes aqui.

- Vamos mudar-nos. Consegui um emprego do outro lado da nossa cidade, vais poder ir à escola, fazer novos amigos, fazer compras, envolver-te com um rapaz rico, tudo o que sempre desejaste, Jane – meu pai  rasgou um sorriso.

- O que eu sempre desejei está aqui, em Desejo.

- Tu não percebes da vida, meu amor. Tens apenas 17 anos, a juventude toda pela frente.

- Eu não quero ir, não vou deixar nada disto para trás – disse firme.

- O que não vai deixar para trás? Aquele idiota? – engrossou a voz.

- Eu amo-o.

- Você sabe lá o que é amar. Tem 17 anos, isso que diz ser amor é uma brincadeira de verão.

- Pare de tentar dizer-me aquilo que eu devo ou não sentir. Eu não quero ir para uma escola nova, ter amigos novos ou namorar com alguém rico. Eu quero ficar aqui com Harry – supliquei.

- Tarde de mais, querida. Partimos hoje – entristeceu-se minha mãe.

Sentia um nó na garganta. Um vazio dentro de mim. Como poderia eu deixar para trás tudo o que construí aqui? Desejo era o meu lar, o meu refúgio. Refúgio este que construí com Harry. Era egoísta de minha parte eu deixá-lo, não agora que tinha a certeza de que o amava mais do que poderia entender.

- É melhor tratar das suas malas, eu ajudo-a – minha mãe subiu as escadas, incentivando-me a ir.

Eu não poderia fazer nada. Mesmo não querendo ir, veria-me arrastada pelos meus próprios pés a fazer uma vida nova, a ser alguém diferente. Coloquei as roupas e os meus pertences nas malas que estavam no armário. Guardei as fotografias e o diário comigo e deixei outras tantas coladas na parede. Abri a janela da minha varanda, na esperança de que Harry pudesse entrar. Escrevi um bilhete e deixei-o na minha cama. Não teria tempo para me despedir, não dele. Desci a escadaria com lágrimas nos meus olhos e entrei no carro. Admirei a paisagem uma última vez. Suspirei pesadamente e fechei os meus olhos levando com todo o ar fresco lá fora. Sentia uma angústia dentro de mim que não era possível ser descrita.

***

Harry acordou na cabana. Os seus olhos procuravam Jane, mas esta já não se encontrava do seu lado. Levantou-se e decidiu ir a sua casa, porém esta se encontrava fechada. Harry franziu a sobrancelha, algo estava errado. Ele inspecionou a casa e todo o jardim, mas não viu nada nem ninguém. Trepou a àrvore. Algo que fazia vezes sem conta só para ver Jane dormir. Ela com os seus cabelos cacheados, seus lábios finos, uma verdadeira princesa. A janela estava aberta e, por isso, decidiu entrar. O quarto estava vazio, as roupas não estavam mais no armário e apenas algumas fotografias deles estavam na parede. Ele sentou-se em cima da cama e avistou um bilhete que dizia:

“Harry, eu sei que me vais odiar após isto, mas eu não tive escolha. Quando leres isto, certamente já estarei em Atlanta. Vou para uma nova escola, uma nova casa, conviver com pessoas dignas para mim, segundo meu pai. Quero que saibas que apesar de tudo, sempre te irei amar como da primeira vez”

                                                                                              Jane Petrova x

Foi aí que se mundo caíu. Ele amachucou o papel com toda a sua força e notou ligeiras falhas de raiva nele. Como poderiam tirar-lhe o que fazia os seus olhos brilharem a cada momento, o seu coração acelerar? Aí ele reparou que lhe tinham tirado tudo, tudo o que o fazia vivo por dentro.

***

A casa era grande. Maior que a de Desejo, mais luxuosa também. Várias famílias ricas e bem arranjadas entraram e saíram da nossa casa durante aquela semana. Eramos muito bem-vindos aqui, mas eu só me sentia bem-vinda em Desejo. Passado uns dias, fui obrigada a frequentar a escola. Estavamos em outubro, em pleno outono. As folhas iam caíndo das mais variadas cores, formando um autêntico enxame no chão. O vento soprava forte e frio, não delicadamente como em Desejo. Os pássaros eram raros e fugiam quando alguém se aproximava. Os esquilos corriam com bolotas na mão como se alguém os perseguisse. Tudo era um tremendo alvoroço.

- Miúda nova? – ouvi uma voz.

- Parece que sim – sorri timidamente.

- Sou a Ariadne – devolveu-me um sorriso – Então, qual é a tua história?

- Tenho necessariamente de ter uma história? – olhei-a.

- Todos nós temos uma – sorriu de leve.

A campainha soou. Tudo andava em alvoroço. Em Desejo, eu tinha um professor particular, tinha aulas em casa. Aqui, tudo era diferente. As pessoas andavam numa correria perfeita, atarefadas e aos encontrões. Sentia falta do sossego do meu lar, meu verdadeiro lar.

Todos me olhavam de lado.

- Turma, deiam as boas vindas à vossa nova colega Jane Petrova.

Suspirei. Teria de recomeçar a minha vida e dar um jeito na parte emocional. 

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