Capítulo IV - Em que descobrimos o segredo de Berna

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Uma semana depois do banquete da vitória, resolveram oferecer um sacrifício aos deuses da guerra, agradecendo pelo sucesso. Berna andava muito nervosa por esses dias, tentou de todas as formas dissuadir o pai da ideia. Mas Heric não faria isso, porque era um bom político e queria evitar desagradar os sacerdotes. Quando escolheram um menininho de quatro anos para ser o sacrifício, Berna pegou armas e uma cesta com comida e foi treinar na floresta. Na véspera da cerimônia, o menininho, que estava sendo preparado, sumiu. Consideraram que os deuses rejeitavam aquela oferenda, e desistiram de sacrificar alguém nessa ocasião. Três dias depois, Berna voltou para casa com um humor totalmente diferente, parecendo feliz e animada.

Todos os chefes de homens estavam reunidos na casa dos Von Brandeburg, Tristan entre eles. Estavam em conselho sobre a divisão do tesouro entre os clãs, quando Berna chegou.

— Oi, pai, tudo bem por aqui? — ela caminhou até o pai, largando o certo e as armas no caminho, e dando um beijo no rosto dele. — Aconteceu algo interessante enquanto eu estava fora? — questionou ela, casualmente.

— Deveria — disse o pai, desanimado. — Mas o menino sumiu. De novo.

— Pela terceira vez em dois anos — comentou um capitão, olhando para Berna com um ar perscrutador.

— Que pena — disse ela, num tom neutro. — Senhores — ela se curvou perante eles — desejo-lhes uma boa divisão. Não briguem.

E foi para a varanda.

— Heric devia ser mais severo com essas moças, são muito atrevidas — comentou um chefe ao lado de Tristan com seu vizinho, em tom baixíssimo. Tristan ouviu e fez um barulho de discordância algo insolente. Ele continuava olhando para a porta por onde Berna saíra, com um ar pensativo.

Quando a reunião acabou, ele foi até a varanda. Berna estava lá, tecendo. Sentou-se ao lado dela e ficou um pouco em silêncio.

— Três vezes em dois anos — murmurou, por fim. — E em todas elas você estava fora da aldeia. Em todas elas saiu mal-humorada e voltou feliz.

Berna continuou tecendo, calada, com um sorriso sereno brincando nos lábios. Seus olhos tinham um brilho travesso.

— Sabe o que eu acho? Que você raptou essas crianças — vendo que ela não respondia, Tristan prosseguiu — Não sei por que o fez, nem como; mas tenho certeza que você fez isso.

A moça sacudiu-se num riso silencioso. Então colocou o trabalho de lado e fitou os olhos do Gaulês; castanhos e amendoados, eles espelhavam a expressão de desafio nos dela.

— Gostaria de saber? — perguntou Berna, em voz baixa.

— Bastante — respondeu ele, no mesmo tom. Ela levantou-se.

— Vamos dar uma volta — e saiu da casa, seguida por ele. Não tinham se afastado muito quando Berna disse — Eram... são apenas crianças, Tristan. Eles não fizeram nada pra ninguém, não era justo, entende?

— É; na verdade eu concordo. Mas o garoto estava guardado, como você o tirou da cabana? E pra onde levou ele?

— Eu tenho alguns contatos... — ela disse, vaga. Então fitou o rapaz de esguelha, segurou o braço dele para detê-lo e virou-se para ele. — Tristan, eu s... — ela começou a dizer, num tom ansioso, mas:

— BERNA! Venha já pra casa, seu pai tem presentes! — a mãe dela berrou.

— Meia-noite na orla da floresta — sussurrou a garota, correndo pra casa.

Pontualmente à meia-noite, Berna estava lá. Esperou por um tempo, porque Tristan sempre chegava atrasado em qualquer coisa. Uns quinze minutos depois ele se aproximava, envolto numa capa. Eles foram andando em silêncio para o interior da floresta, até chegar a uma clareira. A lua estava cheia, no meio do céu.

Berna virou-se para encará-lo, o rosto sombreado pelo capuz.

— Eu sou cristã.

O Gaulês expressou um espanto moderado. Sabia do que ela estava falando, porque outrora, anos atrás, um bardo viera à aldeia e relatara a saga estranha de um tal Jesus. Não era o tipo da história que Tristan gostava, afinal aquele Jesus Cristo, além do nome esquisito, não tinha participado de nenhuma batalha; mas sem entender o que o impelia, no dia seguinte o menino tinha voltado e se escondido para ouvir o que mais o bardo contaria aos poucos que tinham se interessado pelas primeiras histórias - e o poeta falara sobre os tais cristãos, que eram como... como um exército que tinha permanecido fiel ao seu general e continuava fazendo as coisas que ele fazia, algo assim. Acreditavam em uma única divindade, e não era nenhum dos deuses que ele conhecia.

— Outras pessoas aqui na aldeia também são. Pessoas de ideias avançadas — continuou Berna, falando rapidamente, com ânsia de contar tudo para alguém. — Você também deveria. Já conversei com minhas irmãs sobre isso. Una... bom, Kyrah não se interessou muito, mas pensa nisso às vezes — ela se sentou. — Odin, Frey, Lóki... Não acredito nesses deuses.

— Por quê? — ele se jogou na grama ao lado dela.

— Por quê? — ele se jogou na grama ao lado dela

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— Eles... não são bons. São como homens graduados, tão bêbados, violentos e sanguinários quanto qualquer guerreiro — Berna balançou a cabeça. — Um Deus tem que ser Bom, Perfeito, Superior, entende? Se não, não há motivos para ser colocado acima dos homens.

— E você achou esse "Deus"? — perguntou ele, fitando o céu com os braços cruzados sob a nuca. Seu tom era interessado e um pouco duvidoso.

— Achei — assegurou Berna, com voz firme. — Encontrei-o em Cristo.

— Sabe que isso faz de você uma condenada, não é? Por trair os deuses da aldeia ninguém notará você... até que as coisas comecem a ir mal, o que não é raro acontecer. Entende isso?

— Sim... Condenada, segundo esse ponto de vista, mas na realidade, salva — ela riu, com um brilho nos olhos. — Isso dá a tudo um ar de aventura — brincou.

De repente eles ouviram ruídos de galhos quebrados, e vozes sussurradas. Podiam entrever um ponto de luz no meio das árvores, vindo da aldeia. Não havia como voltar, então eles se levantaram e se esconderam atrás de umas árvores, na treva.

Uma História Bárbara [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora