No fim da tarde seguinte, Kyrah tecia na varanda, mal-humorada. Beowulf entrou e sentou-se ao lado dela. Ela olhou-o friamente.
— Escute essa, ontem à noite seu pai me deu passe livre para entrar em sua casa – contou ele, feliz, apesar da cabeça doendo.
— E você nem adivinha o porquê... – retrucou Kyrah, secamente.
— Ele diz que gosta de mim – respondeu o Urso. – Queria que eu fosse seu filho. Provavelmente serei seu sucessor.
— Será que só você não sabe no que isso implica? – ela disse, ríspida. Beowulf olhou-a interrogativamente. – Você vai ter que casar com Berna. Provavelmente a aldeia toda já considera isso um fato, pelo menos as mulheres da aldeia. Você quer se casar com Berna?
— Eu quero ser chefe... – disse Beowulf, timidamente mas em tom firme. Kyrah bufou.
— Pois ela não quer casar com você. Ela não gosta de você, te despreza, te considera idiota. Ela ama Wotan Von Skidbladnir, e quando ele voltar, vai fugir com ele – exagerou Kyrah, enciumada. – Além disso, tem um temperamento terrível. Ela gritou com o papai para ele convidar os seus amigos. Só porque ela gosta do Tristan, não viu como eles cochichavam ontem? Se Wotan não voltar, talvez ela queira ficar com Tristan. Você não vai precisar desse capacete para ter chifres – comentou ela, ferina.
Mesmo sendo amigo de Kyrah há pouco tempo, Beowulf conhecia o jeito dela. Ignorou as ofensas, dizendo simplesmente:
— Seria bom se isso acontecesse; então eu poderia repudiá-la e me casar com você.
— E quem disse que eu te aceitaria? – ela disse, furiosa, enrubescendo. O sol estava se pondo. O Urso abriu a boca para se desculpar, mas nesse momento Berna irrompeu na varanda, trazendo o seu trabalho de costura.
— Boa noite – disse ela, inclinando-se ligeiramente para os ocupantes da varanda. Beowulf respondeu com um aceno de cabeça. Kyrah levantou-se, irritada.
— Com licença – vociferou, e saiu ventando da varanda, esbarrando na irmã. Berna arregalou os olhos para Beowulf, como a perguntar o que estava acontecendo, ele balançou a cabeça, sem entender nada e levantou-se também.
— Boa noite, Srta. Berna – ele disse, saindo da varanda atordoado. Berna sentou-se, e enquanto ela tecia calmamente, Beowulf estava à procura de Kyrah, mas não foi capaz de encontrá-la em lugar nenhum. Ele também não viu sinais do bardo Bragi, o que o deixou bastante consternado e com ciúmes.
Numa floresta (no canto norte dela, perto de um riacho) não muito longe da aldeia – era lá que estavam Bragi e Kyrah; o garoto só ouvia as reclamações dela sobre este mundo, paciente.
— Eu não aguento mais! – bufava ela. – Estou cansada de viver nessa aldeia, eu não posso ir para lugar nenhum! Nunca tenho permissão para nada, e provavelmente em menos de um ano, o poderoso Brandeburg – disse, ironicamente – vai querer me casar com algum filhinho de um nobre que vai me trancar dentro de uma casa, esperando que eu faça todas as suas vontades!
O bardo apenas levantou a sobrancelha, num gesto do tipo: e o que eu posso fazer? Kyrah então ficou um tempo a contemplar a água.
— Preciso cavalgar – disse ela, e saiu, à procura de seu cavalo, Sleipnir.
Estava se tornando constante que Kyrah cavalgasse o dia todo e só aparecesse no fim da tarde. Quando questionada dizia que estava com Bragi, que omitia a mentira da amiga. Talvez ele fosse o único naquela aldeia que a entendia, por isso não questionava seus atos.
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Uma História Bárbara [DEGUSTAÇÃO]
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