Já era de madrugada quando Tristan acordou.
— Por que você fez essa fogueira? – ele questionou, exasperado.
— Porque estava com frio! – ela encolheu os ombros.
— Mas nós estamos fugindo! – ele se sentou no chão e embainhou novamente a espada.
— Só que não tem ninguém perseguindo a gente – Berna argumentou. – Aliás, essa é uma das coisas que você deve me explicar – o rapaz tirou o capacete e arrumou os cabelos, para pôr o capacete de novo em seguida.
— Ah, sim. Eu fiz uma combinação com Beowulf; ele vai tentar liderar a caça e vai para o outro lado. Mas é bom se precaver. O que mais?
— Quem estava escondido atirando? Porque eu sei que você não tem amizade com gaulês nenhum.
— Eram Rincewald, Angus, aquele bardo seu amigo e a Gabrielle. Estavam um em cada canto da aldeia, e não tinham mais que cinco flechas cada; para o plano dar certo, as pessoas tinham que acreditar na minha representação.
— Sim, foi muito boa.
— Foi ideia da Gabrielle. Eu não queria chamar meu pai de velho idiota e minha mãe de vaca, mas era o único meio de fazer a aldeia não se voltar contra o meu clã. Eu tinha que assumir toda a culpa, ser o vilão. Foi tudo combinado. Acho que exagerei um pouco. Foi legal! – ele riu. – Mas eu não odeio todo mundo.
Ela sentou mais perto dele. Seu cabelo ainda tinha pétalas de margarida.
— Eu sei que você gostava dessa aldeia. Foi muito legal da sua parte ter renunciado à vida lá pra me ajudar – ele corou.
— Bem... eu ia ter que me mandar logo. Mais uma invasão de gauleses e me linchariam. E também... eu quero viajar, conhecer o mundo. Os limites daquela aldeia eram muito estreitos para mim.
— Obrigada – murmurou Berna, jogando os braços em torno do pescoço dele e beijando-o. Ele correspondeu ao beijo, apertando-a contra si, mas Berna se desvencilhou dele e foi se deitar do outro lado da fogueira. – Você me beijou, eu te beijei; você me salvou, quando eu te salvar estaremos quites – era o jeito peculiar de Berna dizer: "Não é porque você me resgatou que agora eu sou sua". Ela se enrolou na capa. – Boa noite.
— Boa noite – Tristan respondeu, atordoado, iniciando seu turno de vigia.
A perseguição parou depois de três dias, e foi só então que Beowulf voltou para casa. Já havia gente lá com muita saudade dele. Outros, porém, não queriam vê-lo (e a nenhum outro Donnerstag) nem pintado de ouro.
Heric estava sentado apaticamente na varanda. Recordava um dia em que fora com sua família passear num drakkar. As meninas tinham cinco e três anos então. Una e Kyrah tentavam acertar-se com tocos de madeira, fingindo uma luta de espadas. Heric observava Kyrah avançar para a irmã, implacável, e Una, menor e ágil, desviar-se aos pulos e giros. Pensava que devia ter tido guerreiros, em vez de garotas, quando sentiu um puxão na perna da calça. A pequena Berna o olhava com uma cara séria. Ele a pegou e colocou sobre a amurada.
— Pai, quando eu crescer vou morar num drakkar.
— Por que, projeto de mulher?
— Porque um drakkar balança, e na aldeia tudo é sempre parado – ela respondeu, com um ar pensativo. Heric sentiu, sem saber explicar porque, que havia um significado mais profundo oculto naquelas palavras. Teve um arrepio. Aquela menina era mesmo estranha.
— Mas pra você morar num drakkar, vai ter que se casar com um viking muito bonzinho e paciente, e isso não existe.
— Não precisa de viking nenhum, papai – ela disse, com ar de desprezo. Depois baixou a voz e olhou em torno, sussurrando confidencialmente – Vou me disfarçar de figura de proa.
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Uma História Bárbara [DEGUSTAÇÃO]
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