Beowulf respirou aliviado ao chegar à presença do chefe e constatar que sua presença era requisitada por uma questão meramente técnica.
Havia um exército vândalo por perto, e o chefe queria organizar uma guarda para ficar de prontidão. Chamara os melhores guerreiros, e a participação do Urso era de suma importância, pois o chefe o tinha em alta conta. Tinha planos para Beowulf; era um bom candidato a sucessor.
— ... porque eu não quero que haja algum contratempo durante a festa da minha filha — concluiu Heric, dispensando todos com um aceno. Referia-se ao aniversário de Berna.
Todo ano, no aniversário da filha, e depois no das gêmeas, Heric dava o que poderia ser chamado hoje de "uma festa de arromba". Nunca perguntara a Berna o que ela achava da festa, e certamente seria surpreendido se o fizesse, por ouvir como resposta "Eu não me importo". De certa forma, aquelas festas irritavam Berna, porque ela era exibida por seu pai como um troféu, e tinha que passar horas sorrindo para todos e exibindo seus dotes artísticos e suas virtudes. Ela não culpava exatamente o pai por ser assim, porque sabia que ele a amava, mas trocaria de bom grado uma festa dessas por três horas de conversa amena e instrutiva com Tristan e as irmãs, Una e Kyrah. Desse modo, a festa não era mesmo dela, mas de seu pai.
Nesse ano, Heric estava mais ansioso que de costume. Berna ia fazer dezessete anos. Logo teria que se casar, e seu marido seria o próximo chefe. Deveria haver muito cuidado na escolha, porque não só o futuro de Berna dependia dela, mas o da aldeia. Berna, só por citar, nem pensava em casar tão cedo. Queria achar alguém que amasse, e por enquanto, não havia ninguém em perspectiva. Ela ainda tinha saudades de Wotan Von Skidbladnir, o que partira, e começava a se sentir estranha em relação a outro amigo, mas não queria se casar, não já. E também não queria ser "esposa do chefe". Isso sempre ficara subentendido, Berna nunca se manifestara a respeito. Não queria briga de graça. Sabia que o momento do confronto chegaria, mas não que estava tão perto.
Depois que os chefes foram embora, Heric chamou a filha. Berna veio do interior da casa e olhou o pai com ar de interrogação.
— Sente-se — disse Heric, suavemente. Berna o fez. Permaneceu quieta, enquanto o pai falava — Esse ano, a sua festa vai terminar mais cedo. Acontece que eu quero dar um banquete depois, aqui em casa, fazer algo mais familiar. Está bem para você?
— Sim, papai — respondeu ela, sabendo que um "não" não adiantaria nada.
— Vou convidar Beowulf Donnerstag para o banquete — avisou ele. — Também chamarei Alfes Beidablick, Geri Tanfana e Asgard Gulltoppr.
— São bons guerreiros — comentou Berna, inexpressivamente. "Isso vai ser terrível", pensou. Kyrah talvez pudesse gostar daquelas histórias de mutilações e assassinatos violentos, mas aquilo deixava Berna enojada. Ia ser um banquete tedioso, a menos que... Berna então teve uma ideia. — Já que vai convidar o Urso Raivoso, chame também o resto do grupo.
— Que resto? — perguntou Heric, levemente surpreso.
— Tristan Von Trüppendorf, Angus Grillnborst e Rincewald, o Sombra.
— Ah, eles — fez Heric. Esses amigos eram o único defeito de Beowulf. — Não creio que seja uma boa ideia, filha.
— Por que não? — perguntou Berna, com ar inocente, embora soubesse muito bem o motivo: o pai pretendia escolher seu futuro noivo no banquete, e aqueles certamente não eram pretendentes desejáveis. Compreendeu isso imediatamente, o que a fez insistir fervorosamente no convite dos outros. — São aldeões dos mais respeitáveis.
— Não. Não vou convidá-los — decidiu Heric, peremptoriamente.
— Então eu não venho ao banquete — decidiu Berna, por sua vez.
— Você virá, mocinha! — gritou o chefe, furioso, levantando-se.
— Não pode me obrigar, pai — disse Berna, seca e firme. — Sabe disso. Ainda que me moa de pancadas — e Heric nunca batia nas filhas — se eles não estiverem aqui naquela noite, eu não apareço — disse, alteando a voz. — Não virei! — gritou.
Heric encarava a filha, possesso. Odiava ser contrariado. Teria mandado-a às favas se não conservasse um pouco de razão, que mostrou que o banquete sem ela seria completamente inútil. Quase morrendo de raiva, ele cedeu.
— Esteja bem bonita — mandou ele, em voz baixa, os olhos cerrados. Berna sorriu: sabia que tinha vencido e gostou muito.
— Farei o possível, papai — disse ela, suavemente, saindo da sala antes que ele reabrisse os olhos, porque sabia que a vermelhidão em seu rosto não era bom sinal.
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Uma História Bárbara [DEGUSTAÇÃO]
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