Capitulo I

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Estou na cozinha. Minhas mãos estão úmidas e trêmulas. Jogo o pano de prato que estava usando para secar a louça do almoço em um canto qualquer. Viro de costas para a pia, e divago. Eu ando fazendo isso demais ultimamente. Penso na minha antiga vida, de como era feliz. De como me recusava a lavar louça ou de lavar minha própria roupa. Hoje em dia daria tudo para lavar a louça da minha mãe.
  Saio da cozinha pequena, devagar. Não é nada demais. A cozinha tem uma mesa quadrada de seis lugares, quatro nas laterais, uma no topo e uma no final. Tem um fogão a lenha e uma pia com um escorredor. Possui armários onde tem cinco pratos ( Nik havia quebrado o dele, agora ele comia na lata). Seis garfos, seis colheres, seis facas. Seis copos. Cinco canecas (Nik também havia quebrado a caneca dele). Era tudo extremamente contado e regrado. Se você perdesse sua blusa branca, iria ter que usar as coloridas. Se perdesse sua bermuda, iria ter que usar sua calça até ela se desmanchar. Era assim que funcionava.
  Seis de nós. Seis adultos inteligentes e nenhum deles sabia como foram parar ali. Cada um contava uma história diferente. A minha não era especial nem heróica, mas ela foi a primeira a chegar ali. Eu me  lembro de como fiquei aterrorizada, de como eu não sabia o que estava acontecendo ( e ainda não sabia).
  Era um dia quente, e eu estava indo em direção a faculdade de direito, que fazia já havia dois anos. Minhas notas sempre foram altas, eu era a melhor aluna da escola toda. Bom, talvez eu ficasse empatada  com uns e outros, mas eu era a estudiosa, a bonita, popular, descolada.
  Como era de costume, eu passei na lanchonete do irmão, na verdade não era dele, ele só trabalhava lá para ganhar um dinheiro a mais para o intercâmbio. Depois de pegar o café e o donut me sentei na mesa atrás de uma estátua so fundador da lanchonete. Era uma estátua grande e feia, que ocupava uma boa parte do ambiente, mas detrás da estátua ninguém me via, e mesmo assim, eu via todo mundo.
  Quando deu minha hora, sai  para a rua novamente. E essa era minha ultima lembrança antes de acordar dentro de um quarto escuro, mofado e sozinha. E se passaram dois anos desde que isso aconteceu. Ninguém mais tinha esperança dentro do Bunker. Era assim que eles chamavam esse tipo de prisão onde eles estavam.
  Nik, Louise, Dany, Biel, Mark e eu. Os seis nunca tinham se visto antes de estarem aqui dentro. Cada um vinha de uma parte diferente do mundo. E pelo que sabia, os seis eram considerados super gênios. Como eu sabia disso? Não  faço ideia tampouco. Os seis eram muito espertos, não tinha nenhum mais burro, ou mais devagar. Eu sabia que Nik tinha, ou melhor, tem o maior resultado de QI já registrado. Isso era demais, e ele fazia questão de se gabar por isso toda vez que tinha oportunidade.
  Percorri os corredores longos e vazios do bunker, e entro na sala. A sala é um grande espaço com prateleiras gigantes com livros, não tinha nenhum DVD ou Cd, não tinha nem mesmo televisão. Fazia dois anos que nenhum dos seis tinham visto algo na tevê.
  A pergunta mais constante para mim é: Como está o mundo lá fora? Será que sua família já tinha desistido de procurar por ela? Ou ainda procuravam? Eles nunca pensaram em escavar o chão, onde eles provavelmente estavam? No subsolo? Mais eles não podiam nem estar nos Estados Unidos. Para quê? Por quê? Como? Eram as perguntas mais frequentes de todos. Afinal, por que eles eram os escolhidos para estar ali dentro. Isso tudo tinha um propósito ou é só para fazer eles sofrerem?
  Alguém entra na sala, e eu me sobressaio, assustada.
   -Ah, é você. - eu diz para o garoto de olhos extremamente azuis, cabelo loiro liso e sorriso destruidor. Mark.
  -Quem você achou que era? -ele pergunta, dando mais um de seus sorrisos destruidores. Ele sabe que eu tenho uma queda por ele e não media esforços para impressionar. Ele era muito esperto. -Não importa. Dando mais um de seus devaneios no país das maravilhas?
  -Isto tudo não está nem perto de alguma coisa ligada com maravilhas, Mark.
  -Pois é. Realmente uma droga. - ele me olha, sentada no sofá, e se senta ao meu lado. -Chega para lá.
  Um silêncio constrangedor paira sobre nós, e Mark me olha. Ele não está mais sorrindo, porém o brilho nos olhos continua. Eu acho que esse brilho nunca se apaga. Não que eu já tenha visto.
  -Hoje se completam dois anos, sabia? Que estamos aqui. Amanhã é o aniversário de Dany.
  -Eu sei. Ela não para de dizer isso. - eu digo. - Como você esta com tudo isso?
   -Já me acostumei. Eu queria realmente estar no país das maravilhas. Seria tão bom estar em um lugar ao ar livre, sentir o vento, a chuva. Sabe a primeira coisa que eu vou fazer quando sair daqui?
  -O que? - eu pergunto, realmente interessada. Era tão fácil conversar com Mark. Ele é tão simples, tão completo, tão normal perto de mim. Eu tinha mais amizade com Mark, Biel e Nik do que com as meninas, apesar de Nik ser mais próximo de Louise. Eu, porém, sabia que poderia contar tudo para Mark e Biel.
  -Eu vou comer um hambúrguer enorme, com bacon, cheddar, batata. Pode até colocar salada. Nunca fiquei com tanta vontade de comer salada.
   -Seu gordo. -eu rio. Mark ri também.  Fecho os olhos lentamente, e me dou conta de que faz mais de três noites que não durmo. Me levanto, indo em direção ao quarto, mas sinto uma mão puxar seu braço. Mark me olha com dúvida.
  -Aonde você vai?
  -Vou dormir. Estou com muito sono. Não tenho dormido esses dias.
  -Deite aqui então. -ele me puxa em direção ao sofá novamente, e eu caio no colo dele, e sem nem um pouco de esforço durmo, a ultima coisa que vejo é um par de olhos azuis.

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