Capítulo VI

24 7 2
                                    

     O portão era enferrujado e cinza. Aquele lugar não era nem um pouco acolhedor, e eu estava preocupada com meus amigos. Eles não apareceram, e eu por um lado estava feliz com isso. Por outro lado, se não conseguíssemos escapar, eles iriam seguir sem a gente ou viriam nos resgatar? Tenho certeza que Biel nunca sairia sem a gente. A ideia me assusta.
     O homem que ainda não consigo identificar abre o portão com uma chave prata e grande, ainda com a arma na minha cabeça, e quando ele solta, o portão faz um rangido alto e perturbador, mais um indício que aquele lugar era antigo.  
     A sala que entramos parecia uma sala cirúrgica. Era totalmente branca e iluminada, ofuscante até. Meus olhos levam pelo menos cinco segundos para se acostumar com a claridade repentina. Olho para os lados, em busca de Mark e Dany, e os dois estão parados ao meu lado, assim como eu confusos.
     A nossa frente um homem parado. Para meu alívio, ou desespero, não era o homem do meu quarto. Era um homem de meia idade, cabelos brancos misturados com cabelos pretos, óculos de meia-lua na ponta do nariz. Ele tinha um bigode incrivelmente extenso. Vestia uma calça jeans que só estava no lugar por causa de um cinto e uma blusa polo rasgada nas mangas. A arma estava na mão, a postos, mas pelo menos não estava na minha cabeça.
      -Qual seu nome? -ele vem direto a mim. A arma se eleva um pouco com o movimento da mão, e vem parar na minha perna. -Vou dar três segundos ou eu atiro no seu namorado. EU QUERO NOMES!
     -Emma. -eu digo desesperada. Meu nome é Emma. Essa é Daniella e este é Mark. -e ele não é meu namorado, penso em falar mas desisto, pois isso é o menos relevante agora.
       -De onde vocês vieram? -ele pergunta, indo para o lado e ficando na frente de Dany. -Você com certeza não é daqui, latina.
      -Eu sou do Brasil. -ela diz, rápido demais. Estou surpresa. É a primeira vez que vejo Dany com medo real nos olhos. Minha vontade é de abraçá-la, mas não corro o risco.
       -E você também não é daqui, branquelo. -ele continua com convicção. -Apesar de isso não importar nesse momento. Eu quero saber como vieram parar na minha casa.
       Casa? Aquilo estava mais para um lugar mal cheiroso e cheio de baratas que corriam pelo chão. Um lugar asqueroso. Aquilo era mesmo a casa de alguém em sã consciência?
       -Eu coloquei a placa na entrada para ninguém entrar, então me expliquem, o que estão fazendo aqui? -ele grita.
       -Somos apenas curiosos. -diz Dany. Rezo mentalmente para ela não comentar sobre Nik.
        -Eu não gosto de mentiras crianças. - o homem diz. Ele gira em volta de Dany, com a arma apertada contra a cabeça dela. -E também não tenho tempo para isso. Vocês vão me dizer tudo mais cedo ou mais tarde. Enquanto isso, esperem aqui. E, se ousarem fugir, eu tenho mais daqueles malditos zumbis. -ele deixa a ameaça no ar enquanto sai pela porta que entramos.
       -Ele tem mais zumbis? Então ele meio que domestica zumbis? -pergunta Mark. Também penso nisso, apesar de ser loucura, estranho e plausível, ao mesmo tempo.
        -Eu quase mencionei Nik. -diz Dany. -Eu quis me dar um tapa.
        -O que ele vai fazer conosco? -eu pergunto, roendo o resto de unhas que me sobrava. Nunca consegui deixar elas grandes mesmo então dane-se.
        Ninguém me responde. Cada um olha para um lado, evitando falar. Observo a sala branca em silêncio. Não havia nenhum enfeite na sala, nenhuma mobília, nenhum livro ou quadro. Só havia quatro paredes brancas, um teto branco e um chão branco. E nós.
        Estava ficando tonta. Várias coisas passavam pela minha cabeça ao mesmo tempo. Será que Nik, Biel e Louise sabiam onde estávamos? Será que eles voltaram para a estrada e seguiram sem mim? Minha garganta estava seca. Minha cabeça rodava. Tudo fica escuro.
      Com um baque meu corpo cai no chão. Fecho os olhos. Meu sonho é estranho.

     É tudo grama. Uma grama verde clara, e simetricamente aparada. Tudo ao meu redor era natureza, flores, arvores. Um ou dois cachorros brincando ao longe. Tudo muito bom para ser verdade. O sol brilhava muito forte. Ele refletia no lago que tinha a minha frente. Um lago com as águas tão claras que eu conseguia ver meu reflexo.
        Estava com um vestido florido longo, e um tênis de cano alto. Não combinava muito, mas era lindo. Meus cabelos negros e longos caíam como uma cascata por minhas costas.
       Atrás de mim, alguém se aproxima. Consigo ver o reflexo da pessoa somente quando ela está a um palmo de mim. Dayna. Minha melhor amiga está mais bela do que eu jamais vi. Os cabelos loiros estavam presos em duas tranças boxers, os olhos azuis piscavam de um em um segundo, como o antigo tique no olho que ela tinha.
       Ela sorriu. Eu sorri. Mas logo o sorriso se transformou em grito. A boca dela se escancarou. E ela simplesmente derreteu. Toda a claridade a minha volta se esvaiu, e eu me encontrei em um lugar diferente. Eu reconhecia aquele lugar. Por dois anos, aquele lugar, aquela prisão, foi o meu quarto. Mas não era mais meu quarto. Era um borrão de estrelas, com uma cama e um espelho.
       Centenas de pessoas surgem a minha volta, mas levo menos de um segundo para perceber que elas eram reflexos de somente uma pessoa. Mark. Ele estava exatamente do jeito que ele estava no dia em que saímos do bunker. Então ele começou a gritar:
       -Você que nos matou. Você que nos matou. Você que nos matou. Você que nos matou. Você que nos matou. - e ele não parava de dizer isso.
         As vozes. Eram estridentes. Machucavam meus ouvidos e elas nem realmente estavam lá. Começo a gritar, mandando ele calar a boca.
        -CALA A BOCA. -Não é minha culpa, não é. -CALA A BOCA. CALA A BOCA.

O Bunker Onde histórias criam vida. Descubra agora