A culpa é da bebida - 12

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Saio do elevador preparada para ter o pior final de tarde de todos. Ela me observa com desprezo e eu retribuo o olhar.
"Se você veio até qui pra me julgar, você pode dar meia-volta e ir embora, porque eu não sou obrigada a escutar seus desaforos. Eu pago minhas contas e não sou dependente sua para nada." Não vou guardar minhas emoções todas pra mim, quando ela é a culpada disso.
"Ingrata. Isso que você é." Eu quase me engasgo de ódio, mas se começarmos a brigar agora, não sairemos nunca mais pra jantar e eu estarei morta por falta de comida.
"Quer saber, dane-se. Eu só quero jantar e voltar pra casa. Você está em que hotel?"
"Ainda não parei em nenhum hotel."
"Você pode dormir aqui se quiser." Não vou ser totalmente uma escrota, afinal de contas ela é minha mãe, mas tenho que admitir que ficaria muito mais feliz se ela preferisse ficar num hotel.
"Não, obrigada. Você me deixa em algum hotel conhecido na volta." Esther conserva a mesma cara de limão azedo desde que me conheço por gente. Concordo com ela e então entramos no meu carro.
O jantar passou rápido e nós conseguimos estabelecer um mínimo de nível de conversa entre nós. Nada excepcional.
"Então, porque você veio para Seattle? E nem me avisou?"
"Eu estava ocupada e esqueci. Pode deixar que da próxima eu aviso. Eu precisava ver como você estava." Sua expressão fácil não muda nem se o mundo estiver desabando sobre a cabeça dela. É sempre aquela cara fechada.
"Nossa, haverá próxima vez? Que milagre!" Sou irônica ao mesmo tempo que dou risada disso.
"Para de achar que eu não me preocupo." Ela dá outra garfada em seu resto de batata.
"Eu não acho mais nada. Você já me comprovou faz tempo." Estou enrolando para beber os últimos goles da minha água.
"Por que você acha isso?"
"Por que eu não acharia?" Sorrio desacreditada. "Aliás, eu gostaria de entender um dia qual o motivo de tanto desprezo por mim. Foi porque meu pai te largou?" Percebo o desconforto dela ao tocar nesse assunto.
"Eu não te desprezo." Que linda a mãe amorosa que ela insiste em achar que é, eu deveria me orgulhar. Nossa.
"Eu que devo ter problemas então." Digo enquanto aceno para o garçom trazer a conta.
"Eu não disse isso." A última batata é devorada, finalmente.
"Nem precisou." Digo bebendo meu ultimo gole de água. "Podemos ir? Estou cansada." Resmungo enquanto ela deixa o dinheiro sobre a mesa.
No carro nós não trocamos uma palavra se quer. Eu até tentei saber o motivo dela ser assim, mas se ela não quer contar, não sou eu que vou ficar pressionando-a. Deixo-a no primeiro hotel em que passamos pela frente. Ela não trouxe malas, o que significa que ela ira embora amanhã.
"Boa noite." Digo pela janela.
"Boa noite, Angela." Acelero e saio de lá pensando o quão estranha ela consegue ser. Não me chama de filha com frequência, mesmo eu ainda me esforçando para chama-la de mãe. Não demonstra felicidade nunca e não é próxima a mim.
Estou no elevador de casa me preocupando com outros assuntos agora. Não sei se devo realmente passar na casa do Brandon, porque algo me diz que ele entenderia errado, e meu outro problema é pensar nas coisas que Josh me disse mais cedo. Ele disse que iria tentar novamente, mas tenho medo do que poderia ser.
Estou exausta pra valer, não fisicamente mas psicologicamente. Minha mãe me tira do sério toda vez, me sobrecarregando um bocado. Antes eu ficava mal, chorava e me sentia a pior filha existente já que ela não demonstrava gostar de mim. Depois vem Joshua e todo seu pedido de desculpas, dizendo que ainda me quer e que não vai desistir e em seguida Brandon, o vizinho gato que eu estou tentando ao máximo evitar me aproximar para que nós não possamos fazer coisas idiotas. Eu me sinto atraída por ele, até demais, mas eu não posso.
Preciso controlar meus pensamentos antes que minha cabeça exploda de vez. Todo dia chego com mais três preocupações que me tomam por dias.
Decido ir ao apartamento dele para que possamos esclarecer a noite passada. Nada demais aconteceu, colocaremos a culpa na bebida e estará tudo resolvido. Se eu for direto na casa dele, não correrei o risco dele aparecer na minha, expondo nossa noite para quem quiser ouvir. Isso Angie, vamos resolver isso logo.
Quando toco a campainha a porta se abre quase de imediato e eu me sinto sem graça. Será que ele estava desesperado pela minha chegada? Observando o olho mágico a cada dois minutos?
"Que bom que veio." Seu sorriso lindo está estampado no rosto.
"Sim. Que bom. Precisamos conversar né." Digo com a cabeça baixa e ele parece estar surpreso com o que eu disse.
"Tudo bem. Entra Angie, fica à vontade." Ele fecha a porta atrás dele e eu sinto o ar pesar por toda a sala. Preciso estar preparada Deus, me ajude.
"Então..." Eu tento respirar mas me falta ar suficiente nos pulmões pra tomar coragem.
"Senta aqui." Seu cabelo está meio bagunçado, o que o deixa ainda mais bonito. Ele cruza as pernas e aquela calça fica mais sexy nele, porque parece um pouco apertada naquele lugar.
Eu me aproximo do sofá e me sento ao lado dele. Estou vestindo jeans com uma regata larguinha, nada muito demais, mas o jeito como ele me olha faz acreditar que estou vestida com alguma roupa muito sexy. Deus me ajuda a ficar centrada no principal motivo da minha presença aqui. Não posso mudar o foco.
"Nós deveríamos falar sobre ontem, eu acho."
"Eu também." Ele responde rápido.
"Foi tudo muito rápido, eu nem me lembro de como fui parar na minha cama." Dou risada envergonhada da minha situação de ontem.
"Eu que te levei. Você apagou que parecia um anjo. A porta estava destrancada e felizmente Abby já não estava mais ativa, se é que me entende." Nós damos risada da situação.
"Obrigada por isso." Sinto minha bochecha queimando de vergonha.
"Angie, eu espero que você não esteja se culpando pelo que aconteceu ontem. Nós concordamos que foi culpa da bebida, não?"
"Com absoluta certeza!" Eu rio e ele também.
"Tudo culpa da tequila." Ele diz rindo tentando me deixar mais à vontade.
"Maldita tequila!" Rio mais alto. Que bom que ele não esperava tanto de mim, caso contrário eu estaria surtando agora.
"Bom..." Continuo. "Eu sei que ontem foi legal para nós dois e já que culpamos a bebida, não temos muito com o que nos preocupar, mas acho que a gente não deveria fazer isso de novo." Vejo como ele esta me olhando, fingindo concordar com o que eu digo, mas seus olhos dizem outra coisa. Odeio como as coisas costumam ser tão difíceis.
"Aconteceu sem querer, sabe? Mas nós dois sabemos que não vai acontecer de novo e que seria bom se esquecêssemos isso, você não acha?" Não paro de entrelaçar os dedos e movimentar as mãos, tentando aliviar a tensão que sinto. Não consigo olha-lo diretamente, mas sua cabeça está baixa enquanto ele faz movimentos assentindo o que eu digo.
"Também acho." Seu maxilar está rígido enquanto me responde.
"Eu tenho que ir agora, Brandon. Espero que continuemos amigos."
"Claro que sim." Ele faz um meio sorriso decepcionado, mas não há o que eu poça fazer em relação a isso. Preciso sair dessa toca antes que meu corpo não reaja à favor.
"A gente se vê na faculdade." Dou um beijo na bochecha dele e posso sentir todos os seus músculos contraídos e seus batimentos acelerados.
"Tchau, Angie." Ele abre a porta e eu vou em direção a porta de casa. Que ironia, eu tentando fugir de um cara que mora no mesmo andar que eu.
"Josh ligou umas cinco vezes aqui. Eu desisti de atender na terceira vez." Abby está sentada no sofá assistindo um filme no Netflix.
"Como foi seu dia?" Ela enfia um punhado de pipocas na boca grande.
"Péssimo, não sei como estou viva até agora." Sento-me ao lado dela, jogando-me por completo no sofá.
"Posso ver completamente. Você está arrasada em todos os sentidos."
"Totalmente." Estou com a minha cabeça apoiada no topo do encosto do sofá, pensando em como sobrevivi a um dia feito o de hoje.
"Quer uma massagem?" Abby pergunta enquanto me passa o pote de pipoca.
"Eu já disse que te amo hoje?" Digo sem fôlego enquanto ela ri e pega meus pés para começar seu trabalho.
"Me conta como foi com a sua mãe."
"Não, por favor. Não quero falar dela, não aguento nem pensar sobre ela. Me conta você da noite passada." Ela ri alto quando comento da sua noite sem fim de trepadas com o tal Arun.
"Nunca pensei que ele me satisfaria tanto, mas foi mais que maravilhoso. Você não dá nada pra ele quando o vê, mas Angie do céu, na cama ele é um animal!" O brilho nos olhos dela e o sorriso no rosto me fazem sentir melhor pelo simples fato de vê-la feliz, porque Abby é como uma irmã que eu nunca tive, não daquelas que brigam, mas daquelas que se adoram muito.
"Me poupe dos detalhes! Não quero saber disso." Nós rimos juntas como duas idiotas.
"Juro, foi péssimo ouvir vocês transando, mas eu não podia para-los. Tive que sair do apartamento."
"E para onde você foi?" É nesse momento que eu me lembro que não contei a ela sobre minha noite com Brandon.
"Não me diga que você e ..." Ela fica toda animadinha só de olhar para o meu rosto, mas eu a impeço de terminar a frase.
"Não Abby! Não."
"Então o que rolou? Porque pela sua cara rolou alguma coisa sim."
"Bom, eu me sentei no hall da entrada tentando não ouvir vocês e ele apareceu. Tinha acabado de voltar da festa e me convidou para ficar na casa dele por um tempo, assim eu não teria que ouvi-la. Dava para ouvir vocês de porta fechada."
"Você tá brincando?" Ela está envergonhada e surpresa.
"Ele ouviu?" Sorrio e assinto.
"Meu Deus, ele deve pensar que sou uma, uma..."
"Cala a boca, Abby. Óbvio que ele não pensa nada disso."
"Que vergonha, Angie. Que vergonha."
"Posso continuar?" Pergunto fazendo cara de brava.
"Sim, claro. Quase me esqueci."
"Bom, nós começamos a jogar poker e a beber tequila. Nossa aposta era que se ele ganhasse poderia me beijar e seu ganhasse não o beijaria." Mal termino a frase e Abby está como louca perguntando quem ganhou.
"Eu, é claro. Mas enquanto fui para a cozinha, ele me seguiu. Não lembro exatamente o que dissemos um para o outro, mas eu disse que se eu o quisesse beijar ele estaria pronto a qualquer momento, então ele surgiu atrás de mim. Ficou cara a cara, respiração com respiração, me fazendo perder o controle. Ele disse que podíamos culpar a bebida no dia seguinte, e então nos beijamos."
"Só isso?" Ela está em pé na minha frente, aflita para saber detalhes sobre o que aconteceu.
"Bom, nós nos beijamos pra valer. Ele me levou para o sofá mas não fizemos sexo."
"Nem preliminares?"
"Não. Ele apenas tirou minha blusa e tocou nos meus peitos. Foi só."
"Meu Deus!! Não posso acreditar no que estou ouvindo!" Ela pula de felicidade.
"Vocês já se viram hoje? O que aconteceu?"
"Ele teve o azar de me encontrar no elevador com a minha mãe. Me pediu para encontra-lo na volta e foi isso que eu fiz."
"E ai?? Fala logo Angela!" Ela está gritando agora.
"E aí que eu fui até a casa dele e nós concordamos que foi culpa da bebida e que não iria acontecer de novo." Termino a frase orgulhosa de mim, mas quando vejo a cara que Abby faz, fico com medo.
"Você o quê??" Ela me olha feio, com a testa franzida.
"Eu disso nós, não eu."
"Eu aposto que isso foi coisa sua. O garoto não devia estar concordando nada, ele só concordou porque caso contrário ele pareceria um idiota."
"Abby, não é assim. Eu não posso ficar com ele, olha tudo o que está acontecendo."
"Tudo que está acontecendo você quer dizer Joshua. Qual é Angie, é tesão que você sente pelo Joshua? Porque da pra ver na sua cara o jeito que você olha com desejo para o Brandon."
"Eu posso até achar ele interessante, mas não quero ter nada com ele, Abby. E por favor chega desse assunto."
"Eu não falo mais nada pra você." Abby se senta novamente no sofá e coloca o filme de volta. Eu permaneço quieta, fingindo prestar atenção no filme, mas na verdade estou relembrando os detalhes de ontem.

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