Convidado indesejado - 4

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Esperei mais de uma hora. Para ser exata, esperei duas horas e quinze minutos.
Tentei inventar alguma coisa pra fazer durante esse tempo, arrumando todo o apartamento por mais que eu não goste muito de limpeza, mas entre eu e a Abby, quem acabava por pender mais para o lado do "limpo", era eu.
Acabei fazendo o jantar pra nós duas e uma sobremesa, porque do jeito que minha vida andava desde a ultima sexta, eu só conseguiria ficar sem chorar se estivesse comendo muito doce.
Preparei tudo como se eu fosse uma mãe, deixei a mesa toda arrumada, a sala impecável e a travessa da torta de amora no forno.
A verdade é que eu estava tentando fazer de tudo para não me lembrar do Joshua e me afogar em minhas próprias lágrimas. Só quem amou muito alguém - e ainda ama - sente esse aperto e essa dor que eu estou sentindo em cada segundo dos meus dias. Superar isso não vai ser nada fácil, mas eu preciso erguer minha cabeça e mostrar a verdadeira Angie que tem dentro de mim: a guerreira, que não chora por ex-namorado.
Ouvi o barulho do elevador se abrindo e logo fiquei saltitante esperando minha amiga entrar em casa, porém, nada aconteceu.
Sentei-me no sofá aconchegante com uma cerveja na mão e liguei a TV. Já que a Abby iria demorar, que pelo menos eu ficasse sozinha em grande estilo.
Achei que acabaria dormindo solitária no sofá vendo algum filme de romance ou drama e borrando todo meu rímel, mas ao invés disso, comecei a ouvir vozes no hall do nosso apartamento e achei estranho mas não dei muita atenção.
Passados cinco minutos, ouvi a porta sendo aberta e a voz da Abby dizendo algo para alguém que não pude reconhecer a voz, mas era masculina.
A chave girou na fechadura e o som da risada dela ecoou na sala. Ela virou-se rindo para mim, a porta escancarou e então eu o vi. Atrás daqueles cachos castanhos e curtos eu enxerguei alguém que fez meu corpo estremecer e meus pelos se arrepiarem. Era o Brandon.
Eu estava vestindo um shorts de moletom cinza e um casaco de moletom azul claro, com meu óculos para miopia e um rabo de cavalo meio desarrumado, ou seja, eu estava inapresentável.
"Abby! O que ele está fazendo aqui?" Me levantei depressa tentando esconder minha roupa, mas não tinha como. Vi que assim que minha pergunta pairou no ar, Abby ficou séria e com um olhar de repreensão enquanto o Brandon deixava um sorriso de lado naquele rosto tão bonito.
"Desde quando você recebe visitas assim, Angie?" Ela me arregalou os olhos e inclinou a cabeça em direção ao nosso vizinho.
"Desde quando você não avisa nada e eu estou esperando apenas você para jantar, ainda por cima com uma roupa indecente." Balancei os pulsos ao lado do corpo, tentando extravasar a raiva.
"Relaxa Angela, eu não ligo para a roupa que você está usando." A voz grossa dele ecoou na sala e eu tive vontade de bater a cabeça dele na parede atrás.
"Como é que é?" Respondi furiosa com um olhar de fogo em direção a ele.
"Angie..." A voz da consciência disse.
"Angie, por favor. Eu convidei ele para jantar com a gente, não tem nada demais. Eu te peço desculpas por não ter avisado, mas foi tudo agora aqui na porta de casa..." Ao final da frase, Abby fez a mesma cara que o Gato de Botas do filme do Shrek, o que acabou me acalmando em partes.
Fechei os olhos e contei até três mentalmente, desejando que aquilo passasse rápido demais. Soltei um suspiro e balancei a cabeça positivamente.
"Vou trocar de roupa."
"Certo, lindinha." Abby agia diversas vezes como se fosse a minha mãe, mas eu não reclamava disso porque eu sentia falta.
"Não precisa trocar de roupa por minha causa, Angela."
"Brandon... Por favor." Ela disse.
"Abby, manda ele ficar quieto." Franzi a sobrancelha.
Passei pelo corredor e fui para o meu quarto.
Mas que cara atrevido!
Eu deveria ter empurrado a cabeça dele na parede no momento em que eu cogitei essa ideia.
Coloquei uma calça jeans e penteei meus cabelos, mas continuei com meu casaco. Soltei meus cabelos loiros e voltei para a sala se estar.
"Eu fiz o jantar e a sobremesa." Não demonstrei grandes reações.
"Eu vi! Você está de parabéns porque está lindo!" Ela estava tão animada que me fez soltar um sorriso.
"Em que eu posso ajudar?" Brandon estava em pé ao meu lado.
"Nada. Eu já fiz tudo. Podem sentar." Eu já havia posto a mesa e estava pegando a travessa de lasanha de beringela que eu tinha preparado.
Todos nós sentamos a mesa e eu quebrei o gelo sendo a primeira a pegar o pedaço do meu prato preferido.
"Não precisa ter medo de pegar a comida, Brandon. A não ser que você não goste..." Dei uma garfada e me segurei para não revirar os olhos de tão bom que estava.
"Não tenho." Ele disse me fitando com seus olhos penetrantes, atingindo os meus diretamente e sem se incomodar de estar me deixando constrangida.
Desviei o olhar de volta para a comida.
"Conta um pouco da sua história, Brandon." Disse Abby.
"É, conta um pouco de você." Sorri ironicamente.
"Bom, eu tenho vinte e dois anos e moro sozinho..." Eu o interrompi.
"Não é pra se apresentar como se você estivesse colocando seus dados em um site de relacionamentos, é só pra dizer de onde vem, o que já fez e sobre a sua família." Revirei os olhos e Abby me chutou por baixo da mesa. Ele riu.
"Ela é sempre assim?" Ele perguntou para a minha melhor amiga.
"Só de vez em quando." Ela sorriu meio sem graça.
"Eu estou ouvindo."
"Eu sei. E é por isso mesmo que eu perguntei para a sua amiga e não pra você, porque você me daria outra resposta atravessada.
"Sem dúvidas." Resmunguei.
"Continue Brandon." Abby tentava remediar entre sua melhor amiga ranzinza e seu visitante gato.
"Eu vim de uma família pobre. Meu pai fugiu assim que soube que minha mãe estava gravida de mim, e assim, sobrou eu, meu irmão e minha mãe. Bennet conviveu com seu pai até os dois anos de idade, depois disso minha mãe e o pai dele se separaram e ela conheceu meu pai." Os olhos de Abby estavam fixados nele.
"Meu irmão entrou para o exército aos dezoito anos, mais como uma forma de tentar ajudar a nossa mãe, mas um pouco antes de completar vinte, ele acabou morrendo em combate." Por um instante senti pena daquele menino -homem, sentado junto com a gente.
"Acho que já deu de história trágica por hoje..." Comentei enquanto me levantava e retirava meu prato.
"Angie!!" Abby exclamou.
"O quê foi? Não falei nada demais, apenas que foi trágico."
"Tudo bem, eu até concordo com ela." Estava começando a me incomodar com a mania que aquele garoto tinha de sempre concordar comigo. Não adiantava o que eu falasse, ele nunca se irritava, pelo contrário, ele achava engraçado.
"Deixa eu ajudar vocês." Ele se levantou da mesa e começou a recolher a louça, trazendo-a para a pia onde eu estava.
Olhei para Abby irritada mas recebi em troca um sorriso e uma sobrancelha erguida, como se dissesse: vai fundo.
Revirei os olhos e continuei lavando os pratos.
"Então Angela, qual a sua história?" Ele perguntou enquanto ensaboava alguns pratos e eu retirava o sabão.
"Nem vem. Aqui a gente só conta uma história por vez." Ele sorriu de novo.
"Sério, eu sou tão engraçada assim?"
"Como assim?" Ele perguntou.
"Ué, a cada duas coisas que eu digo, você ri de três delas." Ergo a sobrancelha mas permaneço séria.
"Não sei, seu jeito de tentar ser rude com tudo me faz achar isso engraçado." Ele me olha sorrindo. Tenho vontade de dar um tapa na cabeça dele, mas acabo sorrindo de volta sem conseguir me conter.
"Não acho." Tento parecer séria, mas minhas emoções acabam me traindo e finjo uma tossida para ele não perceber minha risada.
"Eu vi isso..." Ele solta uma gargalhada.
"Para!" Eu o empurro com o quadril e ele faz o mesmo.
"Com licença." Abby entra no meio com mais umas travessas.
"Podem continuar." Ela diz saindo da cozinha.
"Você é ridícula, só para deixar claro!" Grito da cozinha.
Após terminarmos de arrumar tudo, Brandon diz que já vai embora, agradecendo o jantar.
"Espero que a gente possa se ver mais vezes." Eu não segurei uma risada enquanto Abby disse isso.
"Quero dizer, que nós todos possamos nos encontrar mais vezes." Sua bochecha estava vermelha de vergonha, o que a fez sair rapidamente da sala e ir para dentro, deixando apenas eu e ele na porta.
"Você é má."
"Só de vez em quando." Sorri.
"Obrigado Angela, espero que a gente posso melhorar nosso grau de civilização." Seu modo formal proposital de dizer aquilo, o fez rir e me levar junto.
"Ah, cala a boca!" Dei um tapa em seu braço e percebi a rigidez dos músculos.
"Até qualquer dia." Ele disse.
"Até." Então fechei a porta.
Uau!
Esse homem é com toda certeza um belo pedaço de mal caminho.

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