Prólogo 4

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O andar do jornalismo investigativo do prédio do Clarim do Cerrado estava em polvorosa. A notícia do atentado à promotora havia chegado à redação como um baque. Luis Amaral podia ouvir as pessoas perguntando umas às outras "Como será que ela está? Quem poderia ter feito aquilo? Assalto ou assassinato? A polícia já prendeu alguém?".

- Mas que porra é essa? - gritou Mauro Roters, seu editor-chefe, para ninguém em específico, ao saber da notícia através de uma rede de TV.

- Ficamos sabendo do mesmo jeito! - respondeu Luis, enquanto encaminhava-se para a sala dele. - O que você esperava que a gente fizesse? Depois do último corte da diretoria, tive que dispensar o estagiário. Era ele quem ficava com o ouvido no rádio da polícia! - lamenta Luís, complementando a informação.

- Estagiário, Luís? É sério isso? Olha, você sabe muito bem que essa merda de internet está acabando com a gente. Num adianta você ficar se lamentando. Eu quero você cobrindo essa merda, ontem! Descobre a porra do hospital que levaram a mulher e não me volte sem saber se ela tá viva ou morta! Pelo menos isso! - após dizer isso, Mauro apontou para a porta da sala. Era seu jeito de dizer que o assunto estava encerrado. Luis saiu, fechando a porta da sala atrás de si. Ao sentar-se em sua mesa, pôde ver, através do vidro da porta, que Mauro havia retirado da gaveta um analgésico e um antiácido. No fundo, não queria estar na posição dele.

Ele e Mauro trabalhavam juntos há "Quantos anos mesmo?", não conseguia se lembrar exatamente. Quando entrou para o jornal, Mauro já estava lá. Sorriu ao lembrar-se do início na sessão de esportes do Clarim. Não gostava, realmente, de esportes, mas foi sua porta de entrada e era grato por isso. Nunca conseguiu deixar de lado o seu talento investigativo. Nos anos que escreveu para a sessão esportiva, descobriu relações suspeitas entre clubes de futebol e patrocinadores, transações ilícitas envolvendo a compra e a venda de jogadores, corrupção, favorecimentos diversos de clubes e entidades nos campeonatos regionais.

Não poderia ser diferente, pensou. Era da época dos caras pintadas, que foram às ruas para pedir o impeachment de Fernando Collor, na década de 1990. Lembrou-se do artigo controverso que escreveu sobre isso, para o jornal da Universidade de Brasília, "Eu só queria alertar o pessoal sobre as reais dimensões daquele impeachment. Ninguém percebia que estava sendo manipulado pela mídia". Sabia que era esse seu talento, enxergar o que outros pareciam não ver, que o havia levado para o Clarim, um ano antes de concluir a faculdade de jornalismo. Esse mesmo talento o colocara sob a mira de Mauro agora. Tão logo viu a notícia do atentado contra a promotora, soube que não era apenas um assalto. Mauro parecia ter percebido a mesma coisa.

- Cadê a chave do carro? - disse, revirando os papéis em sua mesa. Após alguns papéis irem para o lixo, o teclado ter sido movido e sua pasta ter ido parar no chão, encontrou a chave e a levou para o bolso da calça. Checou a bateria do seu Iphone e foi para o elevador, já sabendo onde encontraria a promotora. Todo funcionário público de Brasília ia para o mesmo hospital, o Hospital de Base, que ficava há dez minutos dali.

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A Mentira em Seus OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora