Capítulo 1d

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Quando Luis chegou ao hospital de base, a frente da entrada principal ainda estava tomada por jornalistas, à espera de notícias sobre o estado de saúde de Aline Barreto. Totalmente no escuro sobre o que tinha acontecido, Luis decidiu que não usaria suas credenciais hoje. Guardou seu crachá no bolso do paletó surrado, deixou este sobre o banco, junto com a pasta, dentro do VW Gol prata 2010 que usava, onde estava escrito apenas "Reportagem". A essa altura da carreira, ele já havia aprendido que ser jornalista nem sempre era uma vantagem, assim como trabalhar para o Clarim do Cerrado não era exatamente garantia de portas abertas, muito pelo contrário.

Na cena de Brasília praticamente desde a sua inauguração, o Clarim foi criado em 1963, pouco antes do golpe militar em 64, mas sua sede ficava em Goiânia e mudou-se para o Distrito Federal somente depois do fim do regime militar, que acometeu o Brasil até 1985. Foi em 1993 que João Emanuel Fontana, magnata do ramo editorial e dono da revista Visão e do jornal Gazeta Carioca, adquiriu o Clarim do Cerrado, levando-o para Brasília. Nessa mesma época, é que Luis foi convidado a fazer parte da coluna de esportes do jornal, de onde migrou para a coluna de política, após desvendar um esquema de compra de resultados no campeonato de futebol regional.

O Clarim ficou famoso por desvendar esquemas de corrupção e publicar as reportagens na primeira página, sem poupar figuras de destaque no cenário político nacional e, justamente por isso, usar as credenciais de jornalista do Clarim poderia fechar algumas portas.

Dono de uma fisionomia bastante comum, de cabelos pretos e ondulados, o rosto levemente marcado pelas espinhas da adolescência, a barba sempre por fazer e os olhos castanhos escuros, Luis não chamava a atenção em locais cheios de gente. Sua camisa para fora da calça, as mangas dobradas metodicamente e seu estilo despojado, compunham o disfarce de persona ordinaria.

- Pois não, posso ajudar? - perguntou a sorridente recepcionista do hospital, ao ver Luis passar pelas portas automáticas.

- Eu vim ver minha irmã, que deu entrada no pronto socorro, com ferimentos de tiros. - falou Luis, num blefe certeiro, forçando um tom de desespero.

- As visitas para a Dr. Aline estão proibidas pela polícia, Sr.? - disse a recepcionista, já tirando o sorriso do rosto.

- Sem problemas, meus pais já devem estar aí. Vou ligar pra eles e pedir que venham me dar notícias, obrigado. - respondeu Luis, ao ter a informação que queria. "Ela está aqui e já saiu da cirurgia." - pensou ao concluir que se ela tivesse falecido, a polícia não se preocuparia com visitas.

Rapidamente, Luis se encaminhou para a entrada do pronto-socorro. Saindo pela recepção, ele seguiu à direita, passando pelo estacionamento dos médicos, chegando à rua. "Esse tempo seco ainda me mata!" - reflete Luis após ser surpreendido por uma tosse improdutiva. "Sabia que eles ainda estariam por aqui!". - pensou exultante, ao ver a ambulância do resgate estacionada em frente ao pronto-socorro. "Mas porque não há nenhum outro jornalista por aqui? Notícia velha?" - estranhou o fato, enquanto se dirigia à ambulância.

"Ninguém." - olhou então ao redor, após ver que a ambulância estava vazia. Caminhou até a avenida que separa o hospital do Ministério do Comércio e notou, à sua esquerda, uma barraca de salgados. Foi caminhando até lá e ao se aproximar, percebeu que havia dois bombeiros ali. "Bingo!", pensou, sacando do seu Iphone para acionar o gravador de voz.

- Me vê uma coca, por favor? Bem gelada! - pediu Luis ao atendente da barraca.

- Três e cinquenta. - anunciou o atendente, ao lhe entregar o refrigerante.

- Obrigado. - agradeceu, estendendo a mão com o dinheiro trocado.

- Amigo! - falou Luis ao atendente, mais uma vez. - Você sabe dizer por que tem aquele monte de gente na frente do hospital?

A Mentira em Seus OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora