Quando recebeu de Pedro a notícia da tentativa de assassinato da promotora Aline Barreto, a cabeça de Miguel trouxe à tona lembranças que ele já gostaria de ter esquecido e, quando ele achava que tinha conseguido, sua vida e a de Aline cruzavam-se novamente.
Foi durante o curso de Direito no Mackenzie que ambos se conheceram. Eles começaram o curso juntos, em salas separadas, e acabaram se conhecendo em uma festa, através de um casal de amigos em comum.
No final do primeiro ano, já estavam namorando.
Ela era radiante. Um senso de humor incrível, muito dedicada, comprometida com seus objetivos – "quero ser juíza" alardeava Aline, sempre que pensavam no futuro. "e você Miguel, vai ser o que?" – perguntava ela. "Ainda não parei para pensar nisso" – essa era a resposta padrão dele.
Com o tempo, Miguel foi assumindo uma postura mais introspectiva e acabou por afastar Aline. Isso aconteceu na época em que seu pai ficara doente. No ano seguinte ele faleceu e Miguel nunca mais foi o mesmo. Aline jamais conseguiu se reaproximar dele e tanto o relacionamento quanto a amizade se perderam com o tempo.
Aline concluiu a faculdade e Miguel só conseguiu fazer o mesmo dois anos depois de ela ter saído. A essa altura, ela já era promotora e atuava no Ministério Público de São Paulo. Ele ainda estava em dúvida sobre qual rumo dar à sua vida.
Foi nessa época que ele soube do concurso para delegado e que a maior concentração de vagas estavam nas regiões norte, nordeste e centro-oeste. "Minha chance de sair daqui!"- pensou ao se inscrever. Queria começar de novo, longe das lembranças deixadas pela morte de seu pai.
Era um tanto óbvio que passaria no concurso. Suas notas desmentiam a aparência de aluno desleixado que Miguel sempre tentou passar durante a faculdade. Suas reprovações sempre foram por faltas, pois por mais que tentasse, suas notas nunca eram baixas. Ele adorava direito. Até entrar para a Polícia Federal e perceber que a política é mais forte que qualquer lei.
Nesse momento, seus devaneios foram interrompidos por Pedro:
- Você entendeu Miguel? O Ferrari quer que você assuma essa investigação, mas ele não sabe do seu envolvimento com a Aline.
- Eu entendi. Deixa que eu me viro com ele. Mas você tem que ficar de bico calado. Ele quer me ver agora? – perguntou Miguel.
- Sim, disse que estava te esperando na sala dele. – respondeu Pedro, já se dirigindo para sala onde estava o efetivo que Miguel decidiu manter para a operação de hoje.
- Eu vou pra lá. Você cuida desse pessoal aí. Lembra o que conversamos ontem? Campana. Um em cada canto. – e dirigiu-se à sala do superintendente.
A vista da sala de Ferrari, o superintendente da Polícia Federal de Brasília, era enorme. Com janelas que iam do chão ao teto, Ferrari ficava de costas para uma paisagem espetacular do planalto. Sempre que entrava em sua sala, Miguel sentia vertigens por causa da altura, vista da janela.
Sua mesa de imbuia ficava no centro da sala, mas recuada, próxima à janela, e sobre ela estavam depositadas duas telas de computador, algumas fotos dele com a família, a placa oficial de nomeação para o cargo e algo que Miguel nunca conseguiu entender: um bonsai sem folhas. "É para me lembrar do que acontece quando perco o controle." – dizia Ferrari a quem se dignava a perguntar o porquê de ter sobre a mesa aquilo que já fora uma árvore anã cheia de folhas verdes e se transformara em um tronco seco e diminuto.
Complementando a decoração, havia duas cadeiras não muito confortáveis em frente à mesa, um sofá encostado na mesma parede da porta, à esquerda de quem entrava na sala e duas prateleiras com livros, aparentemente nunca lidos, nas paredes laterais, além, é claro, de fotos do presidente da república, do ministro da justiça e do diretor geral da polícia federal.
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A Mentira em Seus Olhos
Misteri / ThrillerEm uma Brasília caótica, a promotora de Justiça envolvida com a Operação Catracas, que investiga uma empresa de ônibus acusada de pagar propina ao governador do Distrito Federal, leva três tiros ao parar no posto de gasolina para abastecer antes d...