CAPÍTULO 3

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CAPÍTULO 3

Gideon estica os braços em minha direção e me entrega um pacote. Olho, fico receosa, mas acabo pegando.

"Você já olhou?", pergunto ao meu marido.

"Eu abri o pacote. Quando vi a capa e percebi do que se tratava, fechei novamente. E confesso que não me deu vontade alguma de ver o conteúdo...", ele se levanta e vai em direção ao bar. Serve a si mesmo um whisky sem gelo. Mal sinal. Ele só toma whisky sem gelo quando está realmente tenso.

"Não quis ver? Pois deveria... Não confio nem um pouco em Corinne. Ela pode muito bem ter mentido sobre você, sobre vocês...", pigarreio para que Gideon não perceba minha voz abalada pelo ciúme. "O estrago já está feito. O livro está pronto. E fim.", digo me esforçando para fazer as palavras saírem com clareza e naturalidade.

"É..."

Não sei de onde tirei tanta coragem pra falar isso. Segurar esse livro é como se despertasse algo muito ruim em mim, tipo um instinto assassino. Preciso respirar fundo para tirar um pouco da raiva que sinto. Estou ofegante e minhas mãos tremem. Mas preciso ser forte. Agora sou a Senhora Cross. Sento-me num dos bancos da cozinha, coloco o pacote na bancada e começo a abrir. Meu coração acelera num misto de ansiedade, medo e raiva. Olho para Gideon e ele me olha de volta, tenso. Faço sinal para que se sente ao meu lado.

"Vem... Vamos fazer isso juntos.", estendo a mão e ele vem em minha direção.

"Obrigado.", ele beija minha mão e se acomoda na cadeira.

Sorrio ironicamente ao ler em voz alta o título do livro: CORINNE GIROUX E SUA VIDA COM GIDEON CROSS.

"Pensei que fosse uma biografia da vida dela, e não do relacionamento de vocês...", eu bufo e abro o livro para iniciar essa nada prazerosa literatura.

A cada linha que leio sinto mais enjôos. E percebo que Gideon também não está nada confortável. A narrativa fala desde quando se conheceram. A cada descrição de um momento envolvendo meu marido vejo uma foto. E são inúmeras fotos! Fotos na praia, numa estação de esqui, em restaurantes, em festas luxuosas da nata do High Society... São momentos públicos e privados. Na maioria das fotos ele sorri. Mas seu sorriso só está nos lábios. Quem o conhece de verdade, como eu, sabe que não passa de um sorriso frio e pré fabricado para servir de máscara. Dá para notar nos seus olhos que não há um sentimento. Mas nos olhos dela... Neles sim dá pra perceber nitidamente que havia um sentimento enorme.

"Eva... Não sei se quero ler isso. E muito menos se quero que você leia.", ele se levanta e se serve mais uma dose de whisky.

"Olha... Não é agradável para mim também. Mas quero saber o que essa mulher escreveu sobre você."

"Mas por quê?!", Gideon anda de volta à cozinha e pára do outro lado da bancada.

"Porque quero saber tudo sobre você. Porque quero saber tudo que ela fala de você. Porque quero saber até onde ela é capaz de ir...", faço uma pausa, respiro fundo, e continuo. "E porque estou aqui para e por você, assim como tenho certeza que você faria o mesmo por mim."

Gideon me encara com um olhar terno. Eu me levanto, vou em sua direção e o abraço.

"Vamos juntos nessa?!"

Acaricio seu rosto e ele sorri. Voltamos, então, à leitura.

Já fazem duas horas que estamos empenhados em terminar toda aquela porcaria disfarçada de livro. Está doendo. Ainda mais por ver como aquela perua esquizofrênica descreve meu marido. Ela vai fazer todo mundo achar que eles viveram uma linda história de amor. Mesmo sabendo que tudo aquilo foi escrito baseado numa história mentirosa senti ciúmes. Havia momentos em que não podia me livrar do impulso de imaginar as cenas, ainda que meu marido me chamasse atenção para a obra de ficção, que eu creio que nem a própria Corinne acredite.

Quando estamos quase terminando o livro começo a respirar aliviada. Até agora tudo me pareceu melhor do que eu esperava. Nenhuma linha difamava meu marido. Muito pelo contrário... Ela chegou a exaltá-lo em diversos momentos. Até que... Ai, meu Deus! Sinal vermelho!

"Espera!", eu praticamente grito.

"O que foi?", Gideon me pergunta.

"Olha isso..."

Mostro a ele o título do próximo capítulo: Nossas Intimidades.

Gideon pega o livro das minhas mãos, anda para longe de mim e começa a ler em voz baixa com a expressão facial cada vez mais tensa. Eu o observo e vou até ele. Minha intuição diz que aquela mulher passou dos limites.

"Gideon! Deixe-me ver isso."

Ele não me ouve. Ou finge que não me ouve. Repito.

"Gideon! Deixe-me ver isso."

Ele não me responde e nem me olha. Só fica andando de um lado para o outro com aquele maldito livro nas mãos.

"Gideon!", eu grito. Ele finalmente parece sair do transe.

"Anjo...", ele me direciona um olhar tenso, desconcertado e raivoso ao mesmo tempo.

"O que ela quis dizer com aquele título?", pergunto mesmo temendo a resposta.

"Corinne não devia ter feito isso... Não devia!", ele altera um pouco seu tom de voz.

Aproveitando-me da sua distração, pego o livro de suas mãos e começo a ler.

"Eva! Não! Não leia...", ele tenta pegar de volta o livro, mas não permito.

"Ela definitivamente ela foi longe demais!"

Fico boquiaberta com a narrativa. Ela fala dos momento mais que íntimos dela com meu marido. Descreve lugares, inclusive aquele hotel... Aquele que ele vendeu por minha causa... Que nojo dessa mulher! Coitado do Gideon... Termino o capítulo desconcertada. Meu marido me olha como um réu aguardando o veredicto do juiz. Lanço-lhe um olhar de compaixão. Ele prezou tanto sua vida pessoal e agora aquela mulher louca joga aos quatro ventos, para quem quiser ler, a parte mais íntima de um ser humano. Cretina! Vou em direção à ele.

"Gideon, há alga coisa a ser feita para impedir que isso ganhe as ruas?"

"Não sei, Eva... Não sei...", ele me olha com uma expressão dura e passando ambas as mãos nos cabelos. E isso me diz que vai dar uma confusão tremenda.

"Essa mulherzinha não presta! O que ela ganha te expondo? Dinheiro? Visibilidade?"

"Vingança!", ele responde. "Ela quer me jogar no fundo do poço por não querer mais nada com ela."

Fico em silêncio e ele continua.

"Mas isso não vai ficar assim..."

Ele deixa seu copo vazio na bancada e caminha em direção à porta.

"Aonde você vai?"

Não tenho resposta. Ele abre a porta e eu vou atrás.

"Gideon! Aonde vai?"

"Não me espere para o jantar."

"Gideon! Volta aqui. Vamos conversar? Você não pode sair assim... Gideon!", vou em sua direção mas ele sai sem me dar resposta alguma.

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