Helena
Se tem uma coisa que me faz perder a cabeça é sono. Sou uma pessoa que, para funcionar direito, precisa ter sacramentalmente as oito horas na cama, toda noite. Os dias que o trabalho me fazia passar acordada eram bem compensados no fim de semana e, assim, o ciclo se mantinha perfeitamente.
O fato é que eu estava mais do que enrolada com o job da agência e o fim de semana seria aquele dia em que eu passaria muitas horas na minha cama. Só que isso não aconteceu.
Meu novo não-tão-querido vizinho de cima, também conhecido como Miguel, tinha decidido não me deixar dormir à noite. Ficou farreando madrugada à dentro e, mesmo que ocasionalmente a música tenha parado, eu podia ouvir cada maldito passo que seus convidados davam acima do meu teto.
Agora, eu estava há exatas dezoito horas sem pregar os olhos e cogitava a possibilidade de cortar cada fio elétrico que abastecia o antigo apartamento de dona Eunice. Aliás, se eu tivesse a oportunidade de encontrar a senhorinha novamente, eu imploraria para que ela voltasse a morar lá e levasse embora aquele ser causador da minha insônia para bem longe dali.
O estalar de dedos de Gio bem na frente do meu nariz me despertou do devaneio em que eu tinha caído. Ela me encarava de perto, seus cachos batendo no meu ombro.
– Por trinta segundos eu achei que você tivesse sido abduzida.
– Não seja boba, Gio. – respondi, coçando os olhos.
– Você estava encarando seu porta-lápis como se ele fosse entrar em combustão a qualquer segundo. O que você tem, Lena?
– Nada. Eu só não tô com meu sono em dia. Agora eu preciso terminar esse relatório sobre a campanha de mídia que eu andei desenvolvendo. Preciso entregar isso até o final do dia, antes que o atendimento me mate, porque a reunião com o cliente é amanhã à tarde.
– Eu ia te chamar para outra sessão de cinema, mas já vi que vou ter que buscar outra companhia. – eu poderia apostar o que Giovanna queria assistir.
– Eu assisti Guerra Civil com você semana passada, por que não chama o Arthur?
– Não quero ir com o Tuts. Eu vou estar lá babando no Chris Evans e não preciso de outro homem incrível inalcançável ao meu lado. Acho que vou convidar a Bruna pra ir comigo... – ela se afastou da minha mesa, falando consigo mesma enquanto caminhava.
Considerei a saída de Giovanna como uma oportunidade de terminar logo o tal relatório. Salvei o documento e mandei imprimir na máquina próxima à copa, onde eu me serviria de mais um expresso extra forte, antes de entregar o relatório. Eu já tinha passado e muito do meu horário de sair, o que eu fazia ali era mais do que "hora extra", mas eu deveria entregar até o fim do dia e ninguém definiu exatamente um horário para o fim do dia. Então, logo que tudo estava impresso, eu fui até à mesa da garota do atendimento, deixei o relatório lá com um bilhete carinhoso, recolhi minhas coisas e saí. Tudo o que eu queria agora era esticar as pernas em cima de uma almofada e apagar por horas ininterruptas. É claro que não consegui.
Não me surpreendi ao ouvir os mesmos sons que perambulavam minha infância (agora, um pouco mais a frente, perto dos anos 2000), que embalaram minha noite na semana passada, soando pelas paredes do elevador. Gemi ao ver meus planos serem destruídos bem na minha frente. Meu vizinho do 302 olhou para mim como se eu estivesse ficando louca, então forneci uma explicação.
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Lá em cima
RomanceHelena está como sempre quis: estabilizada, trabalhando numa agência renomada, com seu próprio apartamento e pensando seriamente em adotar um gato. Quando Miguel, neto de sua antiga e fofa vizinha de 83 anos se muda para o apartamento d...