Helena
— O que você espera resolver estando lá, Miguel?
— Precisamos conversar com as pessoas, colocar escuta nas salas de reunião, essas coisas. Além do acesso ao servidor local.
— Miguel, nós não somos nenhum tipo de espiões, 007, filme de Hollywood ou o que quer que seja que você esteja imaginando. Sou só uma funcionária prestes a ficar sem emprego e você um cara com um computador.
— Para de falar isso de mim, porque assim você magoa o meu pobre coração. — Segurava-o como se eu realmente o tivesse ferido. Profundamente.
— Sério, larga de ser sentimental. É uma festa, não a reunião do elenco antagonista do filme.
— Lena, estou falando muito sério. — Ele colocou os braços sobre as pernas, a postura muito mais séria do que anteriormente. — Não é só uma festa, é uma convenção. Sobre a droga do resort que a gente está há um tempão juntando provas. Todos os envolvidos vão estar lá, você sabe disso. Se a gente conseguir uma prova sequer, um vídeo, um áudio, que possa pesar para incriminá-los, eu acho que vai ser muito válido. Se considerarmos que você pode levar um acompanhante, qualquer pessoa que você quiser, e não tem outra pessoa para convidar, por que a gente não aproveita a oportunidade?
— Eu estava pensando em levar o Arthur. — Menti. A Gio já tinha convidado.
— O Entregador? Por favor, Helena. Deixa sua amiga fazer isso por você.
— Minha mãe sempre quis conhecer a Ilha da Trindade. — Miguel demonstrou seu profundo tédio rolando os olhos para mim.
— Helena, seja razoável.
O pedido dele era válido. Eu não estava sendo nada razoável, simplesmente porque eu não queria ser. Não havia nenhum motivo para não querer que Miguel fosse comigo, mas eu simplesmente não conseguia me imaginar dividindo o quarto com ele em uma ilha paradisíaca. Depois de prometer a ele que pensaria melhor sobre a proposta, eu fui para o trabalho. Precisava chegar a tempo da reunião, ainda que meu empenho na campanha tenha reduzido a quase zero.
Desde o dia que cheguei irritantemente bêbada em casa, quando conversamos, as coisas têm acontecido rápidas demais. A quinta e a sexta-feira passaram em um borrão, em que Miguel e eu trocamos algumas mensagens. Combinamos que leríamos todos os arquivos que eu enviei para ele nos dois dias que restavam para o fim de semana, quando nós nos sentaríamos para planejar nossos próximos passos. Foi exatamente o que fizemos. A coisa toda estava piorando, o plano geral era mais sério do que imaginávamos. Aparentemente, o senado estava envolvido no escândalo. Era de se esperar, considerando a bagunça que era a política brasileira, mas eu estava verdadeiramente com medo. Não estávamos brigando contra gente pequena ali.
Com tudo o que tínhamos que resolver e planejar, mal vi três semanas se passarem. Eu ficava mais tempo com Miguel do que com Gio e minha amiga não tinha ignorado isso, como eu queria. Em nossos horários de almoço, que significavam todo o nosso tempo juntas ultimamente, ela me pressionava para saber o que eu estava escondendo. Claro que nas primeiras vezes eu tentei despistar, mas ela não é minha amiga de hoje, então acabei caindo na dela e deixei escapar que estava trabalhando em alguma coisa com Miguel. Não disse o que, felizmente. Não queria minha amiga envolvida nisso.
O que não significa que ela tenha esquecido. O fato de eu ter mencionado estar trabalhando com Miguel em um projeto foi o suficiente para que ela supusesse que isso envolveria nós dois nus e uma cama. Estava longe da verdade, eu assumo. Giovana era boa em questionar, então nós passávamos um tempo muito longo conversando sobre o dito cujo. Boa parte da conversa era Gio fazendo perguntas sem fim, em uma tentativa de descobrir o que fazíamos sozinhos.
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Lá em cima
RomanceHelena está como sempre quis: estabilizada, trabalhando numa agência renomada, com seu próprio apartamento e pensando seriamente em adotar um gato. Quando Miguel, neto de sua antiga e fofa vizinha de 83 anos se muda para o apartamento d...