Capítulo 9~

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Miguel

              O dia em que disse à Lena que estava desistindo, eu estava falando sério. Se tem uma coisa que acaba comigo mais do que qualquer outra coisa é quando pessoas com quem me importo desmerecem meu trabalho. Eu sei que pode ser difícil para meus pais entenderem o que eu faço, sei que é difícil pessoas mais velhas entenderem toda a tecnologia que temos hoje em dia e como isso funciona, mas eu nunca esperava que Helena, uma mulher jovem, inteligente e conectada, falasse toda aquela asneira. Qual é, ela não tinha ido para faculdade?

               Por isso, enquanto ela ia lá tomar a tão preciosa cerveja — depois, é claro, da babaquice que foi aquele outdoor e o sorrisinho sonso que brotou de seus lábios — eu voltei para casa e tirei o Cage da máquina dela. É claro que o acesso que eu tinha continuaria ali, até porque não sou bobo, mas eu deixei o notebook de Helena perfeito. Eu até dei uma limpada e atualizei a máquina para ela não poder falar merda. De nada, vizinha.

               Depois disso, concentrei cem por cento dos meus dias em trabalho. Ignorei todas as ligações e todas as mensagens que estava recebendo dos caras, mas eu precisava de coisas constantes — sim ou não, um ou zero — na minha vida. Eu não iria ser conivente com toda aquela ladainha que Helena replicava dos chefes. Aquilo era sério demais para que eu deixasse para lá. Eu estava pensando em uma forma de levar aquilo à frente, mesmo sem ela. Lena poderia não acreditar no que eu disse, mas eu sabia que era verdade e continuava não concordando com as atitudes deles. Estava tudo bem e minha mente se dividia em setenta por cento trabalho/trinta por cento pensar no problema com a M&D, até que eu comecei a receber os e-mails.

               Já passei da fase que fico curioso com e-mails anônimos. Definitivamente, para mim é a coisa mais simples de resolver. No ensino médio, eu já sabia rastrear um e-mail desconhecido e identificar o endereço pela localização do IP. É bem fácil, na verdade. Eu os deixei lá, esquecido, enquanto fazia coisas mais importantes. Meu trabalho estava lá, acumulando, e não iria desaparecer de uma hora para outra. Quando minha cabeça estava bem cheia de tudo aquilo, eu abri o e-mail anônimo. O nome do destinatário era "Maria Silva", o nome mais comum de se encontrar por aí e o endereço de e-mail era "", um daqueles que o próprio Google sugere a você na hora de criar. Não havia assunto nem nada escrito, apenas diversos arquivos em anexo. Todos chegaram em sequência.

               Li o primeiro. O segundo. O nono. Minha cabeça estava explodindo de tanta informação. Fiz leitura dinâmica, então não assimilei todo o conteúdo do documento. A mensagem, porém, eu peguei. Eram dados importantes que complementavam tudo o que eu tinha encontrado sobre a empresa. Após uma leitura detalhada, era possível montar um baita de um argumento comprovando todas as falhas e tramóias do projeto da M&D. Eu nem precisava rastrear o e-mail para saber quem tinha enviado. A única pessoa que tinha conhecimento do dossiê que eu montei era Helena. Isso não me impediu, é claro, de confirmar. Por desencargo de consciência, chequei o IP. Era de um computador que estava no mesmo endereço da agência que ela trabalhava. Pelo menos, ela foi esperta e usou o computador de outro funcionário, um tal de Carlos.

               Um sorriso enorme tomou conta do meu rosto.

               Lena tinha dado o braço a torcer. Ela tinha lido o meu dossiê e tinha concordado comigo, mesmo que estejamos sem nos falar há um bom tempo. Considerando que isso deveria ser comemorado, abri meu celular e marquei uma reunião com os nerds. Precisava de umas bebidas e muitos brindes antes de mergulhar de vez naquela história.

                Marquei com os caras em um bar que costumávamos ir na faculdade. Chegamos cedo porque, mesmo sendo uma quarta feira, eu sabia como aquilo ali enchia depois das sete da noite. Quando já estava na terceira cerveja, descobri que Helena tivera a mesma ideia que eu. Ela passou reto, em direção ao banheiro e tenho certeza de que não me viu. Estava linda. Mesmo com aquele ar cansado pós-trabalho, o cabelo preso no alto da cabeça, e a jaqueta de couro por cima da blusa de tecido fino deixavam-na encantadora.

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