Três - Apresentada

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Entramos no carro sem dizer uma palavra. Já estávamos á alguns minutos na estrada, mas eu não conseguia tirar os olhos do meu pai. Há quanto tempo eu sentia falta daquele rosto? O olhar dele estava perdido, suas feições estavam abatidas, mas ainda era o rosto do meu pai.

Ele olhou pra mim, então encostou o carro um pouco. Em seus olhos eu vi refletida toda a dor, que também se encontrava em mim, além de toda a culpa pelo meu abandono.

- Me desculpe...

- Pai... Não... Vocês tinham seus motivos... Eu sei o que me tornei, sei o que sou e não posso fazer nada á respeito. Eu que sinto muito.

Tentei segurar as lágrimas á todo custo, mas não adiantou. Papai rapidamente soltou-se do cinto de segurança, em seguida o meu, me puxou para mais um abraço. Um abraço consolador, acalentador, mas a dor não acabava.

- Desculpa, pai... Eu sinto falta dela.

Solucei quase convulsivamente, enquanto sentia seus braços me apertarem e suas lágrimas quentes molhando o topo da minha cabeça. Seu cheiro familiar, carregado de nostalgia, me fez desejar que tudo voltasse a ser como era antes. Que acordasse e descobrisse que tudo que aconteceu tivesse sido apenas um pesadelo muito longo. Mas era a realidade, a estúpida e massacrante realidade.

Chegamos ao apartamento pra onde se mudaram depois da morte da mamãe. Allison disse que aquela casa era muito grande apenas para duas pessoas. Papai abriu a porta da frente e foi como se uma onda tivesse me atingido. Allison estava presente em tudo e com muita força naquele lugar. Eu entrei, sentindo suas vibrações de felicidade e foi como se eu soubesse exatamente pra onde estava indo.

Aquela porta branca com uma echarpe vermelha pendurada no cabide. Eu dei aquela echarpe pra ela. Automaticamente minha mão girou a maçaneta e empurrou a porta. Era o quarto dela. E mesmo que ela estivesse vivendo ali há pouco tempo, eram as coisas dela, carregadas com a energia vibrante e linda da minha irmã.

Não consegui mais me mover, a dor de nunca mais vê-la dilacerou meu peito novamente, minha pernas vacilaram e eu caí de joelhos no tapete. Um grito absurdamente doloroso saiu rasgando pela minha garganta e o sal das minhas lágrimas queimou meus olhos. Meu pai surgiu atrás de mim, após um baque surdo de uma mala sendo largada no chão, e me abraçou tão forte... Mas eu não consegui parar de gritar. ALLISON! Não pensei que seria dessa forma... Por alguma razão eu ainda me encontrava iludida com a esperança de encontra-la sentada na cama, fazendo o dever de casa, como antigamente. E a falta dessa visão... Bom, digamos que "Insuportável", seria muito pouco para descrever.

No momento seguinte uma porta no corredor se abriu de repente, um garoto todo molhado, com uma toalha na cintura, apareceu, os olhos tão vermelhos quanto os meus próprios deveriam estar. Me encarou aterrorizado, como se estivesse vendo um fantasma... Se ele era amigo da Alli, certamente estava vendo. Meu pai se levantou no mesmo instante.

- Allis...

- Não. Isaac! Essa não é a Allison.

O garoto continuou com o olhar aterrorizado, enquanto passava-o de mim para meu pai e visse versa... De repente se deu conta de que estava vestido inapropriadamente para questionar qualquer coisa.

- Tudo bem... Eu volto já.

Fechou-se no quarto novamente. Vendo que eu já estava mais calma por conta da surpresa, papai chamou-me para ajuda-lo com a bagagem. Pedi para ficar no quarto dela, ele não se atreveu a me negar.

- Pai, quem é ele?

Um suspiro... – Isaac, amigo de sua irmã. Ele é órfão, está passando uns tempos conosco, mas não sei se ainda ficará aqui...

- Ah... Ok...

A porta, do que eu supus ser o quarto de hóspedes, se abriu novamente e Isaac reapareceu usando uma calça jeans e uma camisa, ainda descalço.

- Desculpe o mau jeito...

Pediu ele sem me olhar nos olhos, referindo-se ao seu estado anterior.

- Tudo bem... A propósito, eu sou Annya. Sou irmã da Allison.

- Eu sei. Ela falava muito de você... Por isso, mais uma vez, desculpe pelo mau jeito.

- De novo, está tudo bem. – Fiquei encarando-o mais um tempo... – Posso fazer uma pergunta indiscreta?

- Se eu dormi com sua irmã? Não, infelizmente.

Papai, que estava colocando uma ultima caixa no quarto, encarou Isaac com um olhar sério, muito diferente do meu, de quem estava quase quebrando o pescoço desse moleque.

- Hora errada... Eu sei, foi mal...

- O que eu ia perguntar é: Você também é um lobisomem?

- Como...?

- Como eu sei da existência de monstros? Simples, também sou um.

A boca do garoto se abriu de surpresa, novamente correu os olhos por mim e papai.

- Você também é lobisomem?

Dei uma risada completamente sem humor... – Errado, tenta de novo.

- Ela é uma vampira.

Disse papai, da forma mais casual que se pode dar uma informação como esta.

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