Prometido

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 Se eu tivesse falado
Você teria escutado?
Você teria ficado?
Você estaria aqui para sempre?
Nunca teria ido?


O metrô daquela madrugada não teria quase ninguém se não fosse pelo pequeno grupo vestido de preto num canto, rindo baixo e bebendo o líquido esverdeado num cubo achatado de metal. A maioria, homens – bom, garotos, se levar em conta sua pouca idade – e havia uma mulher em especial entre eles, ela usava um gorro de lã que tinha encontrado no lixo cobrindo parcialmente os cabelos escuros volumosos que pareciam não ser penteados há dias, mas o homem em pé a sua frente não parecia ligar, e lhe olhava com tamanho carinho que mais parecia estar vestida como uma verdadeira princesa aos seus olhos.

De fato era, ocupando a posição de namorada dele.

E de primeira dama dentro daquele grupo estranho, mas que aparentemente não parecia nada de mais.

Infeliz de quem pensasse assim.

Eles eram os tipos de jovens que não davam orgulho para os pais, que usavam todo tipo de droga ilícita e não voltavam para casa no fim da noite. Na verdade, não sabiam o que essa palavra significava desde que tinham saído na calada da noite, quando pegaram o trem para qualquer lugar que não tivesse regras e nunca mais voltaram. Liberdade era o nome do destino deles, sem mães que ligavam a toda hora, sem pais arrogantes.

Seu mundo estava na próxima esquina.

-Dói muito? – A menina de cabelo roxo perguntou para a primeira dama, guardando o cubo dentro do próprio casaco velho. – Quer mudar de posição?

-Não, tá bem. – Tentou levantar, mas a coluna reclamou e ela tornou a sentar. Acariciou a barriga protuberante de seu oitavo mês com cuidado, não fora planejado, assim como tudo na sua vida. Mas aquela criança passara a ser a chave para um futuro sem mais preocupações para todos ali. – Ele já tá bem forte.

-Claro que está! – Brandiu o chefe do grupo. – Não demorará muito para que façamos o ritual, e então, minha princesa, teremos o que quisermos. Você, eu, nossa família.

Mas não com aquele bebê, não com aquela vida que já terminava de se formar dentro dela, para ele haviam planos menos felizes e que envolviam um crime que ninguém, acredito eu, podia perdoar. Claro que esse tipo de prática estendia-se por mais tempo do que o grupo existia, mas eles se achavam especiais por fazê-la e nada os faria mudar de ideia.

Tais tipos de sacrifícios norteavam o lugar para onde iam, escuro e ausente de qualquer vida calorosa, apenas a dor que vinha dos lamentos das almas, dos que foram esquecidos e não tinham sequer uma vela para aquecer a lembrança do que um dia foram. Não, ninguém se lembrava deles como realmente deveria... Até chegar ao ponto de nem eles mesmos se lembrarem. E então, assumiam o que eram de verdade: Nada.

O metrô parou numa estação aberta, com poucas luzes amareladas em postes decadentes, bancos de metal enferrujado que não tinham aten"ção há muito tempo. Os quadros de avisos só tinham pequenos cartazes com fotos do tipo: "Você viu essa criança?" "Desaparecida desde..." "Compre hoje a casa dos seus sonhos em..."

Todos velhos demais para que as crianças já fossem adolescentes e que todas as casas já tivessem dono. No entanto, não foi isso que chamou a atenção ali e sim, o pequeno jardim de flores azuis cultivado com tamanho esmero, bem diferente de todo o resto ali.

-Ali, o que faltava. Karen, pegue a bolsa! – Pediu o líder para uma das outras meninas que sem demora apanhou de dentro da mochila um saco improvisado de pano e um pedaço de vidro. – Obrigado.

O Filho da Morte (EM PAUSA)Onde histórias criam vida. Descubra agora