É como chegar em casa após um dia cansativo e sentir aquele cheirinho aconchegante do nosso cantinho, e saber que podemos relaxar em paz e segurança. Ou como entrar em um ambiente acolhedor e reconhecer o lugar sem nunca ter estado lá, e perceber um espaço onde podemos dar livre vazão às emoções puras e nutritivas.
Assim é o amor entre eu e minha filha.
Sempre houve famílias. Mesmo antes de se inventar uma palavra para o conceito – ou até para qualquer outro conceito. Desde o início as pessoas se agrupam em torno da paternidade e da maternidade, criando núcleos de desenvolvimento e fortalecimento.
Mas esta célula embriã, como tudo pela natureza, evolui e se modifica. Vários modelos foram postos em prática ao longo da História, consciente ou inconscientemente.
Até pouco tempo atrás, na sociedade da qual fazemos parte, era comum a estrutura familiar vertical. Uma hierarquia rígida, onde os mais velhos prevaleciam sobre os mais novos, as regras eram indiscutíveis e a figura patriarcal era inatacável – no sentido de que devia ser tratada como infalível.
E funcionava bem assim. Tal sistema manteve a solidez do círculo durante séculos.
Desde o namoro eu dizia à minha esposa: temos que nos dar as mãos, mas não como fechados num círculo, e sim lado a lado, olhando e caminhando para a frente. É assim que vamos levar nosso amor adiante, ao mesmo tempo em que colhemos a ternura, o carinho e a bondade que encontrarmos pela estrada. Como num arrastão poderoso, um arrastão espiritual, que doa enquanto toma, que cede enquanto recebe.
Um arrastão de amor.
Com a chegada dos novos tempos, o grupo familiar tem se organizado cada vez mais de forma horizontal. Com papéis distintos, mas equilibrados, seus membros assumem posturas menos impositivas e mais equivalentes, menos competitivas e mais colaborativas.
Este é o presente! Somos companheiros de uma jornada maravilhosa, em que cada um quer o melhor para o outro e se coloca diante da vida conforme a necessidade do passo seguinte.
Alguns analistas da situação, de forma crítica, chegam a apontar um declínio no instituto da família, como se o aparente afrouxamento da autoridade levasse à decadência.
Quem é o pai? Quem é a filha?
Aprendo diariamente com as conquistas dela, enquanto permito que minha experiência ensine por si só. Suas atitudes exemplificam novos caminhos, seus pensamentos ilustram futuros imaginados, seus sentimentos instruem o que julgávamos impossível. Minhas semanas demonstram a alegria do trabalho, os dias são oportunidades renovadas de convivência, horas se dedicam ao conteúdo necessário, mas os minutos buscam o prazer do olhar e do sorriso, os segundos buscam o crescimento do amor!
Quem é o pai? Quem é a filha? O que importa?
Naturalmente, a visão equivocada é perdoada, quando toma por esfacelamento uma transformação não compreendida.
Na verdade, a mudança de sentido seria assustadora se não fosse gradual. E pode gerar preocupação a diminuição de força, quando não se vislumbra o poder elástico da afinidade.
Atualmente, os vínculos são mais frágeis, porém mais profundos. Precisam de mais cuidado e atenção para se manterem, mas por isso mesmo são mais belos e guardam maior capacidade de impulso.
Não veremos o fim do ponto básico da coletividade. Estamos presenciando a troca da obediência pelo consenso, do temor pelo respeito sincero, da obrigação pela cumplicidade, descobrindo meios de colocar em tudo o verdadeiro amor.
É a única ideia que se repete em minhas reflexões, o amor! O único capaz de fazer bem conviver o discurso formal e a divagação pessoal, a dissertação e a poesia!
A inspiração que vem ao lembrar da minha criança, já tão mocinha, e que transborda em turbilhão livre de palavras emocionadas se largo tudo e subo as escadas para vê-la!
Este amor que é leito de rio, é seta apontando a direção, é destino do navegar. O amor que é argamassa, mas é açúcar, é controle e liberdade, é levar e correr junto.
Se eu a fiz filha, foi ela quem me fez pai.
11/11/2011