Croniquinha besta

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               E, como aquela frase que ouvi e gostei muito, mulher de escritor geralmente não entende que, quando ele está olhando pela janela, está trabalhando.

               É verdade. Mesmo que não tenha nada lá fora para se olhar. A gente nunca fica olhando; a janela só serve para inspirar, justamente porque não há nada que desvie a atenção dos pensamentos. Pelo menos comigo é assim.

               Às vezes prefiro o teto, minhas mãos, o rosto de alguém, ou então fico logo de olhos fechados.

               Mas isto não é porque estou sem assunto, não. Pelo contrário, tenho uma pilha de ideias amontoadas num pedaço de papel escondido no meio de uma coleção de rascunhos. Mas é incrível como é difícil escrever a respeito de uma ideia que você já teve há algum tempo. Se eu não escrevo assim que planejo a história, ela acaba sendo engavetada, incompleta, ou ainda por começar.

               Pela janela, nada de interessante. Uma quadra de futebol cheia, repleta, lotada de luz, calor e ar, enquanto os meninos e as bolas, certamente, estão descansando. Alguns brinquedos de parque, tristes, sem a alegria das crianças para lhes colorir. Muitas janelas no prédio em frente, nas quais busco em vão a fisionomia de algum outro escritor entediado, buscando ideias.

               Agora vejo alguém. Uma moça vestida como indiana, o tecido enrolado no corpo e jogado sobre os ombros, levando pela mão uma menininha que tem um terço de sua altura, vestida ocidentalmente. Caminham apressadas, como se o vento quente as empurrasse. Para onde estarão indo? Minha imaginação começa a me sugerir fábulas, aventuras intrincadas, e tenho até medo de desenvolver os enredos que se formam em minha cabeça.

               Acho que já escrevi muito, o suficiente para dar a isto o tamanho de uma crônica.

               Vou confessar uma coisa: a ideia deste texto também é antiga, é uma daquelas que eu escondo meio a outros papéis. Talvez eu a tenha escrito agora por ser uma das mais fáceis. E, como infelizmente não tenho muito tempo para desperdiçar, torna-se excitante jogá-lo fora assim.

               Eu sei que você não me entende. Você nem sequer encontra ideia central neste texto, não é?

               Se eu fosse cronista de jornal, ainda poderia ganhar algum dinheiro fazendo isto.

               Você não acha que esta croniquinha está um bocado besta?

               Mas eu avisei lá em cima, no título; se você leu, foi porque quis.


1/3/1982

O assassinato do abacateiroOnde histórias criam vida. Descubra agora