Capítulo 6

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Setembro, 2012

Minha vida está se transformando num resumo escrito por alguém que se foi.

Não faz mas que quatro dias.

Eu deveria ter jogado essas folhas no túmulo, junto à ela. Lis gostaria disso, ela, com certeza, gostaria que eu nunca soubesse de nada disso.

Comprei flores cor de rosa na floricultura próximo de casa, a qual possui uma atendente de sorriso largo e longos cabelos cor de ouro.

Hannah, esse é o nome dela.

Comprei meia dúzia de jacintos, todos manchados de vermelho — como o sangue dela.

Passei pelo Horan's Bar. Essa seria minha primeira tentativa de conversar com Niall sem querer socar seu rosto até ele virar fumaça.

Niall não estava lá.

Andei por cerca de quatro quarteirões com flores murchando em uma das mãos, passos raspando o asfalto, um caderno manchado entre os dedos e pensamentos confusos de mais para serem levados à sério.

O cemitério apontou em meu horizonte taciturno, apertei o caule das flores e elas pareceram reclamar em silêncio, curvando-se para frente.

Como sempre, o cemitério de Mullingar está vazio. São só lápides cheias de prefácios e cruzes sobre grandes e pesadas tampas.

Caminhei entre velas apagadas e flores podres, tentando recordar uma canção que não fosse assim tão ruim, ou triste.

Não encontrei nenhuma.

Lançando alguns impropérios, balbuciei minha própria canção:

Se eu pudesse tocar seu rosto agora
Se eu pudesse beijar seus lábios e segurar seus dedos entre os meus
Se eu pudesse abraçar seu corpo
Se eu pudesse ter apenas um vislumbre do que um dia fora você...

Talvez eu não estivesse aqui, agora
Caminhando entre palavras tristes e flores mortas

Eu estaria ao seu lado, agora
Fazendo de seu sorriso uma demanda dos meus
Acariciando seu cheiro com mãos invisíveis...

Se eu pudesse te falar agora
Se eu pudesse te entender...
Se pudesse passear por sua voz melodiosa e cantar sobre sua cadência...

Talvez eu fosse um pouco menos triste
E, talvez, não estivesse aqui, agora
Caminhando entre palavras tristes e flores mortas.

Quando enfim cheguei aos pés de sua lápide — cravada no chão e rodeada por grama que parece sintética —, sentei-me sobre a grama e entreguei-lhe suas novas flores.

— Não encontrei suas tulipas roxas — sussurrei.

Abri o diário, sem fazer reverências, ou estalos. Passei as páginas até onde havia parado. Estou bem depois do meio.

Li a data com cautela e, mentalmente, admirei as letras garrafais no papel amarelo-areia.

Ela está bem agora.

Mamãe lembrou-se cedo, preparou bacon e ovos mexidos, arrumou-se para trabalhar e saiu.

Eu a vi sorrir para aquela maldita gravata azul pendurada no fundo do armário.

Papai nunca usava gravata, mas, naquela ocasião especial em que consistia em pedir a mão de sua amada em casamento, ele usou. Era uma graça azul-petrólio , com traços azul-cobalto.

Mesmo fazendo mais de dez anos, o perfume daquela noite ainda persistia no tecido voluptuoso.

Mamãe dizia que aquele era o cheiro da felicidade, o cheiro que lhe fazia lembrar de coisas boas e horas jogadas ao leu.

Talvez eu dia eu possa entender o que é isso. Talvez eu possa ser feliz é jogar horas fora falando de discos antigos e sabores de sorvete, cores preferidas e roupas sem marca.

Não importa se falarei isso à meu céu ou ao meu chão, talvez eu diga à outro alguém, um que não me jogará sobre as nuvens, nem me prenderá sob seus pés.

Eu viverei assim, um dia.

E serei feliz, como ninguém jamais fora.”

Essa deve ser a primeira vez em que leio essas páginas voláteis e as lágrimas que me afogam são carregadas de alegria.

Sem pensar duas vezes, li mais e mais páginas até sentir que a escuridão da noite começara a tentar bisbilhotar meus sorrisos silenciosos.

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Espero que estejam gostando :)

Beijos de algodão doce (^o^)

Até mais ✈...

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