Capítulo 3

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Julho, 2012

O frio aumentou e a obscuridade do cemitério gritava em meus ouvidos. Sombras brincavam com minha imaginação. As vezes parece que vou ver a própria Lis, parada ali, me observando, o vestido branco com o qual fora enterrada sendo levado pelo vento como uma bandeira em um navio pirata.

Meu sweater não parece mais uma blindagem contra o frio. Na verdade ele está tão frio quanto a noite.

Mas o caderno continua em minhas mãos, quase impossível de ler agora, mas, ainda assim, eu tento não pensar em fantasmas ou o que quer que seja. Apenas leio.

Aquela tarde, quando mamãe estava no trabalho — que parece ser o único lugar onde ela não enlouquece totalmente — e eu estava livre por algumas horas, decidi sair. Peguei minha bolsa, a carteira e, já arrumada, decidi voltar àquele bar.

Algo me despertara o interesse no rapaz do outro lado da avenida.

Ele estava usando um sweater azul, quase preto, e coturnos militares que paravam no tornozelo.

Parecia distraído, sorrindo e apontando para as flores de uma loja. A menina que o atendia parecia inteiramente submersa no assunto e nos olhos do rapaz. Ela o encarava como se enxergasse muito mais do que ele deixa transparecer.

Eu nunca o vi sorrir daquela forma. Já o tinha visto algumas vezes pela redondeza desde o acidente com mamãe, mas ele estava sempre tão sério e centrado em seus próprios pés. Esse homem que agora vejo parece outro. Um clone sorridente.

Me aproximei, fingindo também observar as flores.

— O que você acha das petunias? — a menina entregou-lhe uma flor. Ele a cheirou e saboreou o odor doce.

— Não são minhas preferidas, mas ainda assim são flores, não são?

— E de quais flores você mais gosta? — ela arrumou os vasos em frente ao rapaz, como se para ele escolher.

Ele pousou um dedo sobre os lábios. Impossível não comentar como aquele gesto fora sexy.

— Ó, mas são muitas. Lírios. Íris. Tulipas. Rosas... Todas são bonitas.

— Me diz uma, apenas uma.

— Íris. Elas são bonitas — ele tocou as pétalas de uma bonita flor lilás. — E as suas preferidas?

— Eu gosto de narcisos, campânulas e as pequeninas verônicas. E, estranhamente, tenho uma paixão secreta por essas aqui...

A garota se virou e abaixou, recolhendo um vaso com uma planta estranha e flores mais estranhas ainda. A coloração roxeada sobre pétalas que parecem babadinhos pontudos e, no centro, um carpelo redondo como um pinho.

— Ela se chama eringon. Uma planta floral que mamãe trouxe em uma de suas viagens, certa vez.

— É muito estranha — ele sorriu dando uma olhada da planta. — E você? Qual a sua favorita?

O que? Ele está falando comigo? Porque? Eu não sei nada sobre flores!

— Eu não...

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