Capítulo 4

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Assim que o barulho dos carros que ainda passavam na rua diminuiu, me permiti parar um pouco e apenas observar o que acontecia em volta.

Sempre dizem que todos na Irlanda se conhecem e que a grama aqui é mais verde e que não existe um único Irlandês que não beba ao menos a boa e velha cerveja. Entretanto, olhando para mim mesmo, como estou fazendo agora, parece que não sou um irlandês, parece até que eu nunca conheci a Irlanda, que nunca ouvi falar nessa nossa fama.

Eu não conheço muitas pessoas, a não ser meus vizinhos e alguns dos médicos do hospital onde meu pai trabalha.

Não acho minha grama verde o suficiente para ser considerada mais verde que de qualquer vizinho.

Nunca tive uma grande paixão por bebida... As vezes ela se torna uma aliada, as vezes ela se torna sua cova — e eu nunca quis ser enterrado.

Voltei a andar, com meus pensamento irritantes seguindo-me como uma sombra.

Quando cheguei em casa, antes mesmo de eu fechar a porta ruidosamente atrás de mim, a luz da sala se acendeu e eu tive um leve sobressalto.


Varri a sala com os olhos e vi mamãe enrolada a um edredom cor de chumbo, salpicado de vermelho, com seu dedo indicador grudado ao interruptor.

Nunca gostei muito desse edredom. Ele me faz lembrar uma guerra: chumbo para as armas e toda a munição, vermelho para sangue e morte.

— Onde estava, Olhos de Ouro? — acho que mamãe sempre me chamou assim. Olhos de ouro. Como os olhos de papai. Como ela o chamava quando eram jovens de mais para eu existir.

— Estava me despedindo...

Seus lábios se curvaram tristemente para baixo.

— Vem, vou te preparar um chocolate quente — seus olhos carregavam tamanha ternura que ficou impossível recusar.

Fechei a porta, então, e a acompanhei até a cozinha. Ela me fez o chocolate quente como anos atrás, quando eu era apenas uma criança dependente dela para tudo. Por fim, recebi um carinho nos cabelos e um beijo de boa noite na testa, e mamãe me deixou sozinho com meus pensamentos. Disse que eu talvez precisasse de um pouco mais de silêncio para ouvir a mim mesmo.

Toda a tristeza se resumiu a uma palavra: Lis.

Ela nunca gostou quando eu a chamava Lisa, ou quando eu tentava dar apelidos a ela. Era sempre Lis.

Lembro de ter perguntado o motivo para ela odiar ser chamada de outra forma.

"Ele me chamava assim" ela disse rapidamente e se apressou para mudar de assunto. Ela estava falando sobre o pai que falecera alguns anos atrás. Acho que foi nesse mesmo dia que ela me disse sobre o Niall, e sobre a noite na boate, e sobre o beijo que ele lhe deu, e como ela sentiu as por borboletas em seus estômago evoluírem para falcões, feito um Pokémon, e como é difícil mandar essas borboletas evoluídas à falcões para suas Pokebolas. "Elas se tornaram indomáveis!" foi o que ela disse.

Não lembro de ter chorado quando ela me contou que me traía. Tampouco lembro qual fora minha reação. Acho que eu bebi como um verdadeiro irlandês aquele dia — o que eu havia dito sobre a bebida mesmo? Sim, dessa vez ela foi minha pequena cova —, e as memórias simplesmente se foram junto ao efeito do álcool na manhã seguinte.

Eu tentei falar a ela que era ruim, que esse tipo de garoto poderia colocá-la em maus lençois, mas ela apenas me olhou com seus olhos redondos e cintilantes e disse:

"Você não pode me obrigar a nada, Bryan!"

Eu realmente não podia.

E duas noites depois tudo aconteceu.

Os noticiários mostravam o carro e todo o sangue.

Seu rosto e corpo foram cobertos para privá-la de tal ofensiva aparição. E ele estava lá, chorando num canto distante, mas ainda visível, as mãos prendendo os joelhos ao peito e a cabeça enterrada entre os joelhos.

Eu não sabia se chorava, se esmurrava a tevê ou se ia até o local do acidente e batia naquele moleque até vê-lo sumir como um monte de poeira em uma tempestade.

Decidi-me não fazer nada.

Minha cabeça explodia a cada passo, a cada memória a cada vez que me lembrava de tê-la segurado em meus braços para tentar fazê-la esquecer de sua própria vida.

Aquele fora um dos piores dias da minha vida — se não o pior.

Quando a mãe de Lis foi ao hospital — desesperada e chorando como nunca antes — eu a acompanhei. Segurando seus ombros para ela não desabar, estiquei a ponta dos dedos até o lençol branco e o ergui. O rosto da minha pobre Lisa estava inteiramente vermelho, com arranhões e um grande corte que partia da lateral da cabeça até o queixo — o que deixava uma linha de sangue.

— Ó meu Deus, minha filha. O que fizeram com minha filha? Quem? QUEM FEZ ISSO COM MINHA FILHA?! — Sra. Melinda gritava com os médicos e apontava o dedo para eles como se um poder surreal fosse sair de entre suas unhas e matá-los um a um.

Mas eu a abracei e ela parou de chorar. Parou de gritar. E apenas soluçava e emitia grunhidos.

Ela me contou sobre seu marido. Sobre como ele amava a Lis e sobre como as discussões o afastaram. Discussões idiotas, sobre coisas idiotas.

Nunca deixei que Melinda soubesse a verdade, que sua filha estava drogada a procura de uma diversão e encontrou justo o carro de Niall, o garoto mais disposto a fazer tudo por ela quanto qualquer outro.

Agora sei que... Também fiz parte daquela vida dela, mesmo não sendo um aventureiro.

Eu era seu chão, a âncora que prendia suas pés ao pier. Ele era suas velas, e, quando o vento estava forte, a pobre garota sempre devolvia a âncora ao barco e afrouxava as cordas de suas velas, deixando seu barco ser puxado e levado para longe.

Longe. É esse o lugar para onde ela foi. É lá onde ela deve estar agora, olhando para mim e dizendo que nada ficará bem, pois nada encontrou seu lugar... Ainda.

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Em primeiro lugar: chorei.

Em segundo lugar: chorei mais um pouco.

Em terceiro lugar: primeiro e segundo lugar.

Kkkkk parei.

Beijocas de algodão doce (^o^)

All the love ❤

Até... ✈

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