A Descrença

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O rum estava quase no fim e o corpo de Henry não respondia o bastante para levá-lo a se levantar e buscar outro barril, ou ao menos encher a sua caneca.

Sentia-se como se sua alma houvesse sido dilacerada, espetada pela mais afiada lâmina que já se teve conhecimento. Sentia-se irrecuperavelmente ferido, porém por dentro, em sua alma, dentro de seu coração. Talvez fosse por essa razão que o Corsário Negro estava imerso em canecas de rum, numa tentativa de fazer o corpo e a mente entorpecidas o bastante para não sentir mais dor. No entanto, não estava sendo bem sucedido.

Sozinho, na casa do leme, observava o mar calmo do porto, de costas para a cidade já começando a vibrar em sua animação vespertina , olhando o céu nublado mesclar-se ao mar sereno e azul.

Era uma cena linda, mas que para ele já não tinha mais tanto apelo. Todas as coisas maravilhosas e lindas que conheciam agora haviam sido rebaixadas para apenas bonitas, desde que vira Rosamund estendida em sua cama, nua, satisfeita de seu amor com os cabelos louros espalhados pelos travesseiros, soube que havia subido seus padrões. Ela era a coisa mais estupenda que seria capaz de ver.

Rosamund.

O nome brincou em seus lábios e ao invés do gosto do rum, que vinha bebendo desde aquele amanhecer, quando ela partira pelo cais sem sequer olhar para trás, sem lhe dar uma última chance de admitir que estava errado e fazia aquilo para provar que poderia ser bom, Henry sentiu o gosto dela.

Doce. Suave. Intoxicante. Algo de que ele se lembraria até o momento em que fechasse os olhos pela última vez. Assim como a visão dela em seu quarto, altiva e corajosa. Como fora capaz de deixá-la ir? Por que decidira mostrar que era melhor do que realmente era?

A queria desesperadamente, a queria de uma maneira que era intrínseca ao seu ser. Era mais do que apenas um desejo, aquilo que o levava às tabernas dos portos em busca de um calor feminino e um pouco de bebida forte. Era mais do que simplesmente carnal. Ele a queria por inteiro, seu corpo, sua alma, seu coração, sua mente.

Jamais sentira-se daquela forma antes e sabia que ela tampouco. No entanto, Henry não queria pressioná-la a aceitá-lo de outra forma que não fosse por escolha própria.

Por todos os monstros marinhos! Ele era um pirata, e o pior deles. Um corsário. Ele já havia matado, roubado, invadido e feito todas as coisas criminosas pelas quais a Coroa Britânica poderia enforcá-lo. Todavia, jamais se arrependera.

E era por isso que dera a Rosamund a escolha de voltar, se o quisesse verdadeiramente. Já a havia trago para seu navio em um impulso incontrolável, tendo-a como sua prisioneira quando, na verdade, o real cativo era seu coração. A vira atirar-se ao mar para lutar pelo que realmente acreditava, pelo poder da escolha.

Então ainda que doesse como o inferno, Henry sabia que havia feito a escolha correta.

Queria mostrar-lhe que ela realmente possuía uma alternativa e ainda que Henry Basset não parecesse a melhor delas quando comparado àqueles que ostentavam suas posses e sobrenomes nobres na corte, ele era o homem que a conhecia por inteiro. Aquele que a amava como era, com sua língua afiada e seus olhos curiosos. Ele era aquele que devotara seu coração a ela, mesmo sendo o perigoso Corsário Negro, ele provava seu valor naquela parelha a partir do seu amor.

Esperava que houvesse conseguido lhe mostrar isso. Quando ela abrisse aquela pequena arca que lhe entregara, esperava que ela soubesse que ele faria tudo para tê-la uma vez mais. Lhe dera joias e moedas de ouro, todas colocadas com todo o cuidado no baú. Uma quantia que o próprio Henry sabia ser capaz de comprar a casa que ela morava das mãos do parente estúpido que lhes ameaçava despejar.

A Sedução do CorsárioWhere stories live. Discover now