Cap. 14 - Garota digital (revisado)

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Ela acabara de completar 18 anos.

Seu corpo é escultural e sua pele veludosa. Marcas? Somente do biquíni. Até mesmo seu nome indica o frescor ensolarado da juventude: Flórida.

Estudar nunca fora sua pretensão. Agora que ela tinha se livrado do colégio, se dedicava integralmente aos seus poucos hábitos sagrados: a academia e seus canais de conteúdo na internet, suas maiores preocupações.

Trabalhar? Quem sabe um dia alguma grande marca faça-lhe um convite! Assim ela viveria para receber, pelo correio, kits e mais kits de produtos para apresentá-los aos seus seguidores, que ávidos por novidades perseguem-na em seus canais.

Ah, um sonho! - ela pensa constantemente.

Flórida nunca acorda cedo. Quando sai de casa é somente para passear, visitar lojas no shopping e alimentar a esperança de encontrar um de seus fãs, para então dissimular a alegria e fingir que a situação é corriqueira - observara por meses o comportamento dos grandes artistas perante o público.

Hoje, uma subcelebridade, jamais revelaria aos seus fãs como fora o início de sua insólita carreira!

Uma de suas manias, que a cada dia se torna mais forte, é a de contar as curtidas e compartilhamentos das suas postagens nas redes sociais. Ela chega a ficar ansiosa, se ao acaso, em cinco minutos a nova postagem estiver ainda sem repercussão. E às vezes apela para sua arma secreta e perversa. Comentários, curtidas e compartilhamentos alimentam sua alma estimulando sua brandura.

Antes de apelar par sua arma infalível ela segue um ritual: estapeia a tela do dispositivo, solta uns guinchos estranhos, vai até a cozinha e toma suco verde, faz duzentos movimentos abdominais e anda do quarto à cozinha várias vezes... Sua família já se acostumara. Então, finalmente ela se senta cabisbaixa e aplica sua fórmula de sucesso, perfil por perfil.

Somente esse segredo - da arma infalível - ela guarda a sete chaves, ainda que a contragosto! Mas, na verdade já apresentava sinais de estafa de tanto mantê-lo a salvo.

Terapia! - concluiu que essa era a sua necessidade.

A maior parte do seu dia era assim, deitada na cama ou sentada no sofá, respondendo aos comentários ou conversando com seus admiradores. Por diversas vezes chegou a manter três dispositivos no seu entorno para esses fins.

Sua compulsão por sucesso nas redes sociais começara assim: se ela não tivesse nenhuma repercussão de sua postagem, decidia por removê-la e em seguida postar outra coisa: partes do seu corpo malhado e roupas ou acessórios acompanhados de dicas de uso - essas eram certeiras. Uma com os homens e outra com as mulheres.

Seu primeiro dia de terapia.

Adentrou o cômodo, cumprimentou a psicóloga com um áspero "oi" e alojou-se no sofá entre as almofadas. Com olhar de desamparo encarou a psicóloga, que desviou de leve o olhar para descontrair, ofereceu água e resolveu iniciar.

- Sobre o que gostaria de conversar, Flórida? - perguntou a profissional.

- Sobre meus fãs. - respondeu ela.

Antes que a psicóloga soubesse o que dizer ela tirou da bolsa uma pasta com um calhamaço de folhas em seu interior e arremessou sobre a mesinha de centro.

A psicóloga sem saber o que acontecia, folheou diversos perfis de redes sociais. Cada arquivo continha: logins, senhas, e-mails, nomes e sobrenomes, fotos de família, profissões, postagens realizadas nas redes... Um dossiê completo para cada pessoa, num total de 300 perfis.

- O que é isso? Quem são essas pessoas? - perguntou a psicóloga bastante confusa.

- Minha arma infalível. Meus fãs! - respondeu Flórida, com lágrimas no rosto.

A psicóloga a olhou com uma expressão de incredulidade e disse:

- Querida, não sou muito dessa vibe de tecnologia. Você poderia me explicar?

Flórida estampa de leve um sorriso sarcástico e faz-se o silêncio por uns instantes. Ela inspira profundamente, olha de um lado para o outro da sala, balbucia alguma coisa. Mentalmente ela estava elaborando uma forma menos patética de dizer aquilo, avaliando se era mesmo aquilo que queria.

Como a psicóloga nada sabia de internet ela poderia continuar a guardar aquele segredo, quase caiu em tentação. Mas, o fardo já estava demasiadamente pesado para carregar. Alguém tinha que saber!

Flórida decidiu. Encarou a psicóloga com um olhar frio e diz:

- Eles são fakes! Eu os criei para impulsionar minhas publicações.

A psicóloga faz cara de nada.

(fim)

>> Oi, tudo bem? Você já teve algum perfil falso ou já foi vítima de alguém que utilizava um? Comente aí, vote, compartilhe... divirta-se!

>> Obrigado!!! =)

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